Crónica

Perspectivas

Quando olhamos para uma estrada que se perde no horizonte, ela tem duas retas, não paralelas, mas que terminam juntas na linha do horizonte, no entanto essas linhas nunca se unem, como parece quando expostas à nossa visão.

Somos, portanto, induzidos em erro pela perspectiva.

Segundo Galeano, esse é o principal objetivo da linha horizonte, fazer-nos caminhar, e, acrescento eu, para termos a certeza que as linhas não se tocam.

Nicolau de Cusa afirmou que uma circunferência infinita é uma reta, o que demonstra que os conceitos racionais também podem ser contraditórios, e que qualquer conceito levado ao extremo pode ser a sua antítese.

Partindo do pressuposto que Pitágoras, que nunca viu um mapa mundo, está mais certo hoje, que qualquer douto terraplanista, vivemos de facto num mundo esférico, onde, embora possa parecer estranho, toda a área de um círculo pode representar apenas um ponto, se for representada a três dimensões e não a duas.

Da mesma forma que, a máxima expansão, coincide com a máxima contração e vice versa.
Se te quiseres deslocar em linha reta a partir do polo norte, estarás invariavelmente a dirigir-te no sentido do polo sul, nesse caso, esse ponto, embora seja um local, circunda-te no plano esférico.

Se estiveres no polo norte, a observar o polo sul, nenhuma força racional te pode ajudar, e até a estrada que te leva até lá, te vai dizer que se fecha na linha do horizonte. Se andares nessa direção, a estrada abrir-se-á até ao teu ponto, onde estão Nicolau de Cusa, Galileu Galilei, Pitágoras, Fernão de Magalhães e outros comensais, com uma garrafa de vinho na mão, a dizer-te que a verdade das palavras e dos números não existe, mas isso nunca pode injustificar a caminhada.

Fontes:
Eduardo Galeano Espelhos, uma quase história universal, Antígona, 2018
Afonso Cruz Jalan jalan, Companhia das letras, 2017

Autor

Gosta de tocar piano, ler e escrever. Nasceu na Sertã e mora actualmente em Gaia.