Crónica

José Martins Salgueiro, o relojoeiro

Quietude, naquele pequeno estabelecimento na antiga Rua de Baixo, agora com a toponímia de rua Padre António de Andrade, mesmo em frente à sapataria do Ti Rufino.

Mais de 10 relógios de parede marcam as 17 horas.

Os pêndulos e os maquinismos estão bem oleados.

Um bate leve, levemente, naqueles tiques-taques. Tal sonido não perturba o corpo nem as mãos do Sr. José Martins Salgueiro que, encaixado naquele móvel de madeira com uma janela de vidro para a rua, movimenta as suas mãos firmes com uma chave minúscula que percorre, sem cessar, milímetros de rodas dentadas dum mecanismo complexo de metal a que chamávamos relógio de bolso e de pulso. Nunca vi as suas mãos engadanhadas!

O seu monóculo ou olho lupa está colocado à sobrancelha esquerda, inamovível.

Os seus olhos não piscam qual cirurgião dos tempos modernos e, em breves segundos, após um rac-rac-rac, vulgo dar corda ao dito, o relógio vira atleta dos tempos modernos em movimento uniforme e acelerado.

Aprendeu a sua arte no Cesteiro ou Casal Novo. Antes tinha desempenhado outras dignas tarefas tais como latoeiro ou carvoeiro, profissões que entraram em desuso com a chegada dos novos tempos.

A vida nos anos 70 era profundamente diferente da de hoje, e com o advento da era digital modificou-se, profundamente, a sociedade e as profissões. As precisões passaram a ser outras e estas ocupações, sem nos apercebermos, desaparecerem ou extinguiram-se.

O sr. José Martins Salgueiro era um homem raro, na profissão e na humildade. A casa de morada de família situava-se no Carril e da sua união com Maria Farinha, nasceram vários rebentos. Sete rapazes: José, Artur, Júlio, Paulo, Macário, Álvaro, Carlos e 4 raparigas: Helena, Celeste Deonilde e a Cecília. É obra …

Enquanto outros emigraram em busca de trabalho, ou de outro trabalho, ou de trabalho melhor, ele ficou ali, sossegado na sua vila, pois sabia que atrás dos tempos vêm tempos e outros tempos hão-de vir.

Viveu com dificuldades para sustentar tão nobres descendentes, mas quem naquele tempo não tinha esse fadário?

Era paciente para com todos e para com aquelas máquinas cheias de parafusos microscópicos e engrenagens mil. O seu tempo só era interrompido pela chegada de um amigo que o convidava para matar o bicho, entre eles o meu querido pai, Ti António da Corgalta, ali na taverna do Ti Amândio.

Ainda recordo, com saudade, o “conserto” do seu relógio de bolso Cortebert Watch Ca. que guardo com ternura na gaveta do meu escritório pois, parafraseando Voltaire “não posso imaginar que este relógio exista e não haja um relojoeiro”.

Autor

Gosta de sopa de massa com couves e feijão. Gosta, cada vez mais, de coisas simples e da mãe natureza.