O hábito de engodar a Internet com insinuações e meias verdades, tem um nome a que já nos vamos acostumando: “clickbait”. Mas antes de avançar, não fico bem comigo se não referir que toda a vida chamei de carcódia à casca do pinheiro bravo e que este artigo é um embuste. Na verdade, o engano e a desonestidade do título findam-se nele próprio – ou assim espero – pelo que farei os possíveis para que valha a pena continuar a ler durante os próximos dois minutos.
Por mais que se afirme que, actualmente, a subsistência de jornais e outros serviços informativos dependam também desta estratégia de atrair cliques, custa-me ainda admitir este facto. Custa-me admitir que o preço a pagar pela não-morte seja a própria morte. Não é nova a discussão sobre a dignidade no jornalismo e já há alguns anos se estuda e até se entende cientificamente o fenómeno dos títulos chamativos, mas vivermos num mundo que dá primazia desproporcional a conteúdo controverso, polarizador e por vezes falso, em detrimento da informação validada e de qualidade, é potencialmente revoltante.
De repente, até fazer serviço público com informação pertinente e validada, parece ser uma tarefa impossível, num mar de seduções, escândalos, decotes, conspirações, terras planas, negacionistas e autênticas revelações de novos heróis das redes sociais.
Para além de gradualmente criarmos consciência da existência desta estratégia, talvez estejamos já a construir uma espécie de imunidade natural. Por falar nisso, devíamos desde cedo adquirir imunidade ao clickbait da mesma forma que adquirimos uma certa imunidade aos preços acabados em .99. Sabemos de antemão que 0.99€ é 1 Euro. Ponto. Embora se continue a comprovar uma certa eficácia nesta estratégia, nós arredondamos com rapidez todos estes valores e, diga-se, o impacto na nossa vida provavelmente não é tão grande quanto o impacto do clickbait.
Estou francamente curioso como isto irá evoluir nos próximos anos. Até que ponto as pessoas se vão continuar a interessar por estes formatos previsíveis de títulos? “X razões para fazer não-sei-o-quê”, “Não vai acreditar no que acontece quando…”. Eu cheguei mesmo a achar que resistir a esse chamamento fosse uma disciplina e elevação psicológica, embora hoje não saiba bem o que pensar. E como é que o conteúdo de qualidade pode evitar o afogamento numa maré cheia de assuntos (normalmente não-assuntos!) da vida alheia, revelações e fotos “escaldantes”?
A necessidade de manter a visibilidade dos órgãos informativos fiáveis, levanta aqui uma questão curiosa, em que parece haver um dilema a fazer lembrar a (já velha) metáfora do “The Matrix”: Comprimido azul ou comprimido vermelho? Por um lado, escolhes a dignidade e morres. Por outro escolhes render-te ao clickbait mas a tua dignidade morre.
Provavelmente o futuro reserva-nos uma reviravolta interessante que é hoje impossível de prever. Talvez olhemos para estes anos que atravessamos com algum embaraço e até vergonha pela ingenuidade constrangedora nesta luta pela visibilidade. Até lá, enquanto todos querem atenção a todo o custo, resistamos à atracção do clique.