Opinião

Se for para fazer, fazemos já!

À excepção deste último ano, os últimos 6 anos da minha vida foram surpreendentemente reveladores da capacidade transformadora que há em incluir determinação, diversidade e novidade no nosso dia-a-dia. Em 2015 aventurei-me com a “minha” Catarina numa viagem de 3 meses que se revelou profundamente transformadora. A duração foi suficiente para abrandar, desligar das estruturas de pensamento cíclicas e recorrentes do meu quotidiano – a repetição estagna o intelecto – e, passar a fazer reflexões e descobertas, não só do mundo que se desenrolava à minha frente, como sobre mim mesmo.

De forma totalmente não intencional, fui parar a um processo que deve ser semelhante ao enlightenment do budismo. A verdade é que saí do sudeste asiático a perseguir os meus sonhos e eles lá se foram realizando.

Decidir partir e viajar durante uns meses, abandonando a nossa vida, é algo que exigiu alguma determinação. Não foi um período excessivamente longo, mas sabia que iria provocar uma disrupção nas nossas actividades profissionais. Pode-se dizer que há alguma coragem envolvida e que foi necessário ser um pouco impulsivo. Quando eu e a Catarina percebemos que queríamos mesmo fazer essa viagem, também percebemos que teríamos que dar um passo simbólico que seria comprar os bilhetes de avião: ida para Xangai e volta a partir de Banguecoque. Entre uma cidade e outra lá nos arranjaríamos e seria onde a experiência nos iria acontecer. Este impulso, esta maneira de fazer coisas de forma decidida, foi só a primeira das muitas aprendizagens.

Ora, achei que este preâmbulo faz sentido por causa daquilo que me inspira para escrever hoje. Na impossibilidade de continuar com o estilo de vida pré-pandemia, vivo os últimos meses numa autêntica luta para não reentrar no dia-a-dia repetitivo – criando canções e alimentando projectos que teimavam em permanecer na gaveta: aqueles projectos que só estavam à espera da “altura ideal”.

Embora todos saibamos que não há alturas certas para nada, muitos padecemos do mesmo mal. Por vezes confunde-se com procrastinação, mas acho que se trata de uma forma requintada de perfeccionismo: “Marcamos para depois, quando estiver bom tempo…”, ou “quando pudermos estar todos”. É fácil cair na ideia do “temos que combinar um jantar” e nunca mais nos lembrarmos… até perdermos o contexto e toda a experiência, ou eventualmente… ser tarde demais.

A Sónia Henriques escreveu aqui, recentemente, sobre esta última ideia de devermos aproveitar a presença com as pessoas que nos são queridas e, foi ela também, que me trouxe uma aprendizagem semelhante às que acontecem em viagem. Há uns dias comentávamos como seria interessante reunirmos o conjunto de “cúmplices” da Resina. Sabíamos que reunir todos seria impossível, dado que os colunistas se encontram geograficamente dispersos, inclusivamente fora de Portugal – mas rapidamente a Sónia disse algo que posso aproximar a: “Marcamos já! Vai quem puder ir… e depois marca-se outro!”.

Assim fizemos. Como prevíamos, não foram todos, mas fez-se e valeu a pena. Não há problema em não ir toda a gente. Não há problema se chover. E nem há problema se alguém desmarcar à última da hora – a vida é feita destas pequenas coisas. Estas “pequenas” determinações diárias vão reforçando as experiências que temos neste tempo finito a que temos direito. Muita da alegria que temos na nossa vida tem a ver com as expectativas que criamos e com o perfeccionismo que, ironicamente, tem muito pouco a ver com tornar as coisas perfeitas.

PS – Ontem marquei um desses jantares que há muito estava marcado no ar. Marquem aquele café 🙂

Autor

Metade músico, metade produtor, metade apaixonado por viagens, metade inquieto profissional.