No momento que vivemos, agradeço não ter filhos pequenos, nem de colo, nem sem autonomia. Os meus são crescidos o suficiente, um deles tão crescido, que emigrou, e conseguem desenvolver com autonomia as atividades escolares que ontem recomeçam.
Mas nem sempre foi assim, já foram pequenos, já estiveram doentes, já foi preciso entretê-los enquanto o tempo passava, nos intervalos das febres, e das maleitas próprias das idades, e nem aí, mesmo sabendo que era passageiro, me foi confortável, tentar trabalhar em casa enquanto os cuidava. Imaginar-me agora a ter, como muitos têm que trabalhar, cuidar da casa e das refeições, da roupa e por cima, ou antes não sei, de tudo isto ainda apoiar, acompanhar as aulas deles à distância. Não queria para mim. Admiro muito quem o faz, assim como admiro quem também com as mesmas idiossincrasias, lhes prepara os conteúdos para as tais aulas on line. É que do lado de lá do cabo de rede, ou da fibra ótica, ou da antena, há famílias de Professores, também com filhos pequenos, ou com pouca autonomia…
A vida tal como a conhecemos/conhecíamos, complicou-se bastante, chegando mesmo a ser irreconhecível, as rotinas que lamentamos tantas vezes em estado normal, serão hoje muito apreciadas e desejadas. Por mim falo, sair de manhã, com a noção de cada um sabe o que tem fazer e vai fazê-lo, dá-me uma serenidade que me faz desejar o dia tal como ele era, a meio da tarde sabia que não tardávamos a reencontrar-nos, que havia de ser uma algazarra, cada um a contar o que de melhor aconteceu ao seu dia. Agora, afastamo-nos cada um para um espaço da mesma casa, sem chegarmos a ter saudades uns dos outros, para nos reencontrar-mos a cada refeição e ao final do dia.
Mas há casas onde não é assim, há muitas casas, com muitas formas de vida lá dentro, tão diferentes quantas os que lá habitam, com necessidades diferentes, como serão? penso muitas vezes, como serão as rotinas das outras casas, quando há crianças pequenas, quando é necessário estimular-lhes o desenvolvimento, por entre reuniões à distância, pelo meio de sonos mal dormidos, de narizes entupidos, de prazos para cumprir, de pais com a cabeça cheia de assuntos- os de agora e os de sempre? Com a vida a continuar a acontecer, com as normais pressões das corporações, onde alguém desenhou um teletrabalho idílico, um monitor, um portátil, uma secretária, ah e uma cadeira ergonómica, mas quantos trabalham na mesa de jantar, ou na cozinha, enquanto olham os tachos da sopa e da carne para que não esturriquem?!
E a roupa que não seca, o tempo cinzento e chuvoso, que teima em lembrar que é inverno, que é fevereiro, tudo isto acontece ao mesmo tempo que temos que continuar, que os miúdos têm que continuar, agora sentados à frente dos écrans, de que há alguns meses atrás queríamos que se afastassem. Agora queremos que lhes prestem atenção, que aprendam, que continuem interessados nas matérias que alguém do lado de lá, preparou com o melhor esmero que conseguiu.
E os afetos que, acredito, condicionam as aprendizagens, ficam onde? Como se criam, ou se mantém esses afetos através da rede? E quem tem que ensinar a ler, a escrever e a contar aqueles cujas mãos medem ainda poucos centímetros, como se faz uma coisa destas através de um écran?
E quem não tem computadores, ou rede suficiente para que tudo o que tem que entrar por essa via, chegue? E quem tem que sair, mesmo assim, no meio de tudo isto para trabalhar? E quem não se sente seguro em casa? E as meninas e meninos institucionalizadas, a quem já todos falhamos como sociedade, quem os acompanha agora?
E é neste chorrilho de perguntas sobressaltadas que penso várias vezes. Nunca achei que com o mal dos outros posso eu bem, pelo contrário, não posso.
Sonho, muitas vezes acordada, com pais com oito braços, com hélices na cabeça, para dar conta disto tudo. De repente de uma janela de internet chega mais um anúncio, que não pedi, que aliás nem quero ver, sobre o idílico dia de São Valentim…a sério?!