Crónica

A taberna – Vivências passadas da história local e do património cultural

A taberna era o sítio onde se conseguiam as novidades. Bisbilhotava-se a vida alheia, confidenciava-se entre íntimos as coisas boas e as más, faziam-se negócios e desfaziam-se, sorria-se e bebia-se uma bela pinga ou uma zurrapa … tinha dias! Também ali se bebia a bela cerveja, as laranjadas e os pirolitos. 

A singela taberna era a encruzilhada de todos os destinos da nossa vila de Oleiros. Os homens, e algumas mulheres, poucas, diga-se em abono a verdade, não podiam passar sem ela. Recordo-me da Vila ter muitas tabernas ou tascas a que a grei apelidava de “capelinhas ” pois, à época, a peregrinação ou pia romaria era uma constante, uma espécie de “ius variandi geográfico” ou “salta tasquinhas”. Era uma instabilidade intermitente de rua em rua com as entradas e saídas dos átrios de baco ou da melhor conversa ou do sítio mais cultural. 

Fazia-se uma espécie de ronda organizada pela guarnição do perímetro da Vila que muitas vezes se agigantava até ao seu “termo” em alegre parlatório, acompanhada de um copinho de vinho transvasando em mil e um temas da moda, e da época.

A prova era feita em copinhos muito pequenos a que popularmente chamávamos “copo de três”. O dito marchava acompanhado com uma petinga frita dias antes em molho feito com vinagre, azeite, cebola e alho, vulgo escabeche; atum de conserva; tremoços; amendoins; pevides; ou mesmo a “seco”, pois o néctar perfumado entornava na mesma. Marchava? oh! se marchava!

Este palmilhar das pedras da calçada e capelas ateias era um ato de sociabilidade muitas vezes condenado, e perdoado. Este rito da visitação talvez fosse uma maneira de espairecer e deitar ao vento as agruras da vida ou melhor, comemorar os bons dias e vindimar os maus. 

Recordo-me que os mais afoitos bebiam “a selha” cifra que rondava ¼ de litro, mas que, sendo do bom, pingava pelas goelas num ápice. Agora, nos nossos dias, já não se servem “copos de três” porque estão fora de uso. Esta tradição social devia estar relacionada com a capacidade de, como por milagre, um singelo litro ser servido em dez copos ou mais! Sim porque o taverneiro por vezes era contido no enchimento ou praticava o vulgo furto formigueiro. Mas que era um relevante ato social e aglutinador, não há qualquer dúvida! 

Nalgumas tabernas repousava o silêncio e o alvoroço da bisca, sueca ou do dominó, jogos estes feitos in situ. No seu perímetro de influência havia campos de outra competição de vaivém. Na Devesa ou na Sacor era o som do bater das malhas, do chinquilho, e aquela singela contabilidade dos pontos em que um milímetro ao pé do fito valia ouro e, a final do jogo, uma rodada de pinga. O Ti Zé Perlegas, com um “grão na asa”, ao lançar a malha quase sempre derrubava o dito o que valia 3 pontos, qual CR7 da atualidade. Todos o queriam como parceiro para o triunvirato, valia oiro! Também por ali assomava sempre um sábio: para a cantoria, para a bela anedota, para um poema rimado e para uma estória que fendia o ruído da plateia. Lá vinha o lobisomem no Ramalhal, o homem gigante que sentado lavava os pés na Ribeira Grande, as galinhas na Quelha e na Sra. das Candeias, a luz permanente no Calvo, mil estórias de suspense que recreavam a taverna e que a transmutavam em teatro metafísico.

Com tanta gente em perfeita simbiose e partilha construía-se uma identidade fluída e plural onde se cruzavam as tradições, os saberes ancestrais, as lengalengas, os provérbios, os ditos, os mitos, as adivinhas, as estórias, as lendas, as cantigas e os cânticos tradicionais profanos e os sagrados. A taberna foi e é local de atos de comércio, sítio relevante de confraternização, de exteriorizações culturais espontâneas mas também de manifestações de património cultural imaterial. 

Autor

Gosta: de sopa de couves e feijão; de cousas simples; da mãe natureza e de fazer feliz o outro!