Crónica

😱🚂 💣 🙈

Conseguimos violar a integridade física do outro, cada vez de mais longe.

Da luta corpo a corpo, passámos para as espadas, as armas de fogo, depois os aviões bélicos, os mísseis telecomandados…

Queremos ferir, matar, chacinar o outro, e cada vez de mais longe, isso faz com que esta espécie estranha que habita a terra, perca cada vez mais a noção das implicações das suas atitudes.

Dantes, os homens iam para a batalha, feriam ou matavam o seu adversário, e estavam no espaço da ação, e viam e sentiam as implicações dos seus atos. Hoje, o presidente Norte-Americano, sentado numa poltrona em Washington, dá ordem para que um porta-aviões num qualquer mar do outro lado do mundo, descarregue milhares de toneladas de bombas num país que talvez nunca tenha visitado.

Esta é uma das incontáveis demonstrações da nossa cobardia intrínseca enquanto seres humanos.

O filósofo e psicólogo evolutivo Joshua Greene, apresentou este dilema moral a um grupo de voluntários.

Um comboio vai atingir cinco pessoas que se encontram na linha a trabalhar, ao pé de si, há uma alavanca que acionada faz o comboio mudar de linha, atingindo apenas uma pessoa que se encontra nessa linha . 

A pergunta que Greene colocava era, usava a alavanca para mudar o comboio de rota, e matar apenas uma pessoa, poupando cinco? 

A resposta da quase totalidade dos participantes foi afirmativa. Depois Greene mudou um pouco a questão. No novo cenário, o comboio continua em direção aos cinco trabalhadores, não havendo nenhuma alavanca para acionar a mudança de rota, no entanto, está uma pessoa bastante pesada próximo a nós, com uma grande mochila, e sabemos que se empurrarmos essa pessoa para a linha, o comboio parará, não atingindo nenhuma das outras cinco pessoas

O resultado matemático é claramente o mesmo, sacrificar uma pessoa para salvar cinco, no entanto, nesta situação, a maioria dos participantes respondeu que recusaria empurrar a pessoa para a linha.

 Existem várias conclusões que Greene e outros estudiosos retiraram deste simples dilema em dois atos. Uma das mais relevantes é a questão do contacto. Empurrar uma pessoa para a linha implica contacto com a pessoa, acionar uma alavanca não, e embora pensemos que somos acometidos de uma postura racional de cada vez que nos deparamos com estas questões no dia-a-dia, a verdade é que o nosso cérebro é muito mais complexo do que imaginamos, e as questões morais e emocionais não são por vezes compatíveis com a nossa racionalidade.

Nos últimos tempos, acho que todos temos reparado na facilidade como uma questão pueril e imberbe espoletada numa qualquer rede social, descamba para os insultos mais sórdidos. 

Acho que o dilema de Joshua Greene nunca esteve tão atual. Sabemos que as pessoas se respeitam um pouco mais quando estão frente a frente, a inexistência de contacto físico ou visual, a falta de proximidade do outro, leva a que as conversas descambem muito facilmente no insulto gratuito.

Seja a dar ordens para disparar mísseis, seja a fazer um comentário numa rede social, a falta de proximidade, ajuda-nos a perceber os níveis de cobardia do ser humano. Numa sociedade que comunica cada vez mais sem contacto visual, e cada vez mais sem a oralidade, que é tão crucial quando usamos ironia, diferentes tons de voz, entre outros, talvez estejamos a cegar paulatinamente, e não sei se os emojis serão bons cães guia.

Autor

Gosta de tocar piano, ler e escrever. Nasceu na Sertã e mora actualmente em Gaia.