Opinião

Sobre a dimensão afectiva da comida

Comecemos por concordar no efeito transformador que uma boa refeição pode ter em nós. Quer seja por a associamos a uma memória boa ou a um impulso a que estamos prestes a ceder – Como assim (não) vais comer mais uma fatia de tigelada da avó? – é inegável que a comida pode ter uma dimensão afectiva e sustentar a nossa memória colectiva através das histórias que conta.

Aqueles sabores que todos reconhecemos como “isto sabe mesmo a comida de mãe/avó”  ajudam-nos a nutrir as memórias de outros tempos, no meu caso de como foi crescer na Beira Baixa. Do mel que pontua grande parte das sobremesas de que hoje mais gosto, aos sabores fortes da hortelã que me levam sempre a imaginar uma fatia de maranho e não esquecendo as filhoses que depois de fritas num azeite que deveria estar a fervilhar eram mergulhadas num mar revolto de açúcar e canela. 

Existe uma lista infinita de iguarias que num piscar de olhos nos transportam para uma viagem à memória de outros tempos. Aprendi que isto da memória gastronómica ganha extensão quando vamos para longe mas nos deixamos sentir saudade. Hoje estar longe de Portugal e da Beira Baixa é também ter percorrido o caminho para estar mais próximo. Afinal de contas comida é memória, afecto e identidade.

E como isto da comida sabe sempre melhor quando partilhado, deixo-vos a receita das tigeladas da minha avó. É um dos doces mais típicos de Proença-a-Nova e a magia faz-se à base de mel, leite de cabra e caçoulos de barro. Dizia a minha avó que o segredo está no forno a lenha. 

Ingredientes

1 litro de leite (750ml de cabra e 250ml de vaca)

8 ovos

250 gr de açúcar louro

Mel, raspa de limão e canela q.b.

1 colher de sopa de farinha

Comecem por juntar os ovos, o açúcar, o mel e a raspa de limão, demorem-se nas apresentações, não temos pressa. Se a conversa estiver a correr de feição, juntem o leite e a canela, e deixem a farinha para último. Arrematem a conversa passando a mistura para um caçoulo de barro e deixem o forno a lenha fazer o resto da magia. Prolonguem-se nas despedidas, afinal foi para isso que aqui viemos. Bom proveito! 

Autor

Sonha em construir uma casa no Trisio. Acredita que sonhar não custa e por isso gosta de ter os pés um pouco levantados do chão.