Crónica dedicado à Odete, ao João, ao Aniceto e à Patrícia, todos Rijos, da N. Sra. das Candeias e aos habitantes do lugar.
Numa pequena planura, mas debruçada sobre a ribeira da Lontreira vislumbrando ao longe os salgueiros e amieiros da ribeira Grande, hirta com o apogeu agrícola de uma ida época, eleva-se com contentamento a Capela de Nossa Senhora das Candeias, local de estórias e de memórias. E por falar em lembranças vamos então à sua, provável, cronografia.
No inicio do séc. XX ali era realizada uma bela feira franca. Vejamos o que nos contam os jornais da época: “FEIRA EM OLEIROS – No passado dia 25 (fevereiro de 1916) teve lugar, no vizinho concelho de Oleiros, a anual feira franca, conhecida pela da Senhora das Candeias. É a primeira feira que tem lugar naquela vila, depois de feita a ligação da estrada que conduz desta para aquela. [o jornalista referia-se à conclusão da estrada de macadame entre Oleiros e Sertã, em 16 de janeiro de 1916, pois só nessa data, ficou esta obra concluída]. Por esta razão o movimento superou o dos outros anos, vendo-se já bastantes carros e sendo por isso expostos à venda artigos, que até aqui pela dificuldade do acesso, não tinham lugar nas feiras.”1
Sabemos que um dos primeiros relatos que há da realização de feiras na vila de Oleiros remonta a 1840. Diz-nos Pimentel (1881) que fixaram-se os dias em 25 de março (feira de março) e no dia 1 de novembro (feira dos Santos) e que seriam realizadas na Devesa2. Pimentel não nos fala na feira de NS das Candeias, ou por omissão, ou porque não existia ou porque não era marcante.
A feira de N.ª Sr.ª das CANDEIAS era franca, ou seja, isenta de pagamento ou tributo para a administração do concelho. Haviam outras em que se pagava o direito de entrada. As feiras eram, quase sempre, unidas a um orago e realizavam-se junto dos adros das igrejas ou das capelas. Ali se obtinham as notícias do que se passava pelo mundo, do resultado das colheitas das regiões circunvizinhas e de tantos outros assuntos que, então como hoje, são a base do cavaquear do nosso povo. 3
A palavra feira deriva do latim de “feriae”, que significa dia de repouso em honra dos deuses ou festa de um santo ou santa. A feira de N.ª Sr.ª das CANDEIAS era, essencialmente, o encontro de mercadores vindos de outras terras como da Sertã e dos concelhos limítrofes.
O rei D. Dinis proclamou que os homens que se dedicavam à agricultura eram os “nervos do reino”. Ora, para colocarem os seus produtos à venda, os agricultores e comerciantes afluíam às feiras e aos mercados. Eram um lugar de reunião, de conveniências, feito pelos mercadores ambulantes que comercializavam os produtos quase sempre transportados por cavalgaduras ou asnos. Ora, na feira de N.ª Sr.ª das CANDEIAS, em 1916, tem a novidade dos primeiros carros e camionetas, ou seja, de um encontro de máquinas recentes. Ali foram transacionados ou mostrados animais bem como seus derivados como cabedais e peles de coelho; produtos hortícolas; materiais de construção; ferramentas agrícolas e artesanais como chocalhos, esporas, freios, fechaduras, peneiras, joeiras, arcas, alforges, vestuário, calçado, etc. Aqui se comprou o melhor tecido, o mais belo vestido, aqui se realizou a melhor conversa anual desejada acompanhada por um singelo trago de vinho parreirinho na tasca improvisada com tábuas e pipos à mistura.
Importa destacar que as feiras efetuavam-se no seguimento de uma romaria a determinado (a) padroeiro (a) e como tal, obtinham, quase sempre, o nome do respetivo santo (a). Lembro que o pagamento de determinadas obrigações legais, ligadas à cousa agrícola, era efetuado num dia específico do ano ou dia de um santo ou santa. Para Oleiros importa, portanto, relevar esta feira de N.ª Sr.ª das CANDEIAS, que sabemos que entrou em desuso e que alguns referem nos últimos anos como sendo de animais.
Quando era miúdo prendia-me o feitiço do brilho flâmeo da candeia a azeite que minha mãe conduzia, à noitinha, na volta para a vila sempre que findava a labuta na horta que tínhamos ao lado da capela. Isto no tempo das regas, das mondas, da desponta do milho e do extrair das batatas da courela. O trabalho era partilhado com o petiz que ajudava na irrigação (cortes das leiras), recolhia a palha (para os feixes), apanhava as batatas (para as sacas) e a fruta (para as cestas).
No final do dia, quase sempre de noite, com passo apressado, um rito ligeiro constante da minha mãe e do meu pai, lá voltávamos ao berço do Largo do Hospital. Ao passar junto da capela havia sempre um sinal da cruz e uma oração da devota Maria dos Santos à outra Maria, que ali morava, com o epiteto de N.ª Sr.ª das Candeias.
Segundo (Pimentel, 1881): “A capela da Senhora das Candeias pertenceu à Família Torres d’Évora e … que está em ruínas, do lado d’alem da Ribeira. Foi reedificada há poucos anos. mas com tão pouca segurança, que lhe desabou já o tecto, e torna a estar em ruínas. Está situada em vistoso sítio.”
Consta das Memórias Paroquiais de 1758, um produto de um inquérito realizado a todas as paróquias de Portugal, na questão 13.ª, para Oleiros, o seguinte: “Se tem algumas ermidas, e de que santos, e se estão dentro ou fora do lugar, e a quem pertencem?”. Neste inquérito não é referida a Capela de NS Candeias, pelo que, certamente, a mesma foi construída depois desta data. [O interrogatório teve lugar três anos após o sismo de Lisboa de 1755, e foi feito a mando de Marquês de Pombal.] Ora, a Família Torres eram os Morgados de Oleiros, família mui nobre e de agigantada riqueza. “Custa a compreender como esta Família pôde adquirir tanta propriedade quando a Ordem de Malta que para si reservou a quarta parte d’ella, e a emprazou toda, não recebia igual quantidade de medidas. Deixa isto supor que, sendo família mui antiga era já importante na ocasião da distribuição das terras deixadas ao Concelho, e que n’essa distribuição houve mui grande quinhão.” (Pimentel, 1881). Nos finais do Séc. XIX os seus herdeiros venderam tudo o que tinham em Oleiros: “As alianças, porém feitas com outras famílias de diferentes localidades, de Pedrogão Grande, de Portalegre, e ultimamente d’ Évora, afastaram de OLEIROS esta família, a ponto de anunciar a venda tudo quanto possuía nestes sítios …” Assim, será presumível que com a abalada do seu protetor e com a incúria dos nossos antepassados a capela se tenha arruinado.
Soe que toda a história se perde na distância do tempo …
Outrossim, sabemos pela Gazeta das Províncias que em 2 de fevereiro de 1899 se celebrou, em Oleiros, a festividade de NS das Candeias e que há 110 anos, em 1915, o ato se reiterou: “Celebrou-se ontem, na capela situada nas margens da nossa ribeira, a festa de Nossa Senhora das Candeias. A concorrência foi regular, embora o frio amedrontasse os menos corajosos, convidando-os a procurar no aconchego do lar a suavidade da temperatura, que nos campos ainda cobertos de neve não podiam encontrar.”4
“N.ª Sr.ª das CANDEIAS (da Purificação e da Apresentação de Jesus no Templo, também de N.ª Sr.ª da LUZ ou das LUZES, ou ainda da CANDELÁRIA), festeja-se em 2 fevereiro, quarenta dias após o Natal. Foi outrora uma festa importante do calendário religioso oleirense e nos acontecimentos sociais. Segundo a hábito as parturientes ficavam impuras depois de darem à Luz, pelo que não deveriam ir ao Templo antes de passarem quarente dias, só depois. E assim nasceu o Dia da “Purificação”, e em 2 de fevereiro, o culto à Senhora da Luz ou das Candeias, geralmente com uma procissão de velas, porque o calor e a luz purificam; Jesus será a “Luz que iluminará os gentios”. Em Portugal, o seu culto espalhou-se bastante a partir do séc. XVI, após o “milagre da luz” e fundação do convento do mesmo nome em Carnide, Lisboa” (citando o Prof. Joaquim Candeias Silva).
Assim, não será de estranhar que este culto tenha sido trazido para o nosso berço pelos seus devotos, os Morgados de Oleiros.
Há diferentes provérbios populares relacionando com N.ª Sr.ª Candeias: “se a Nossa Senhora das Candeias estiver a rir, está o Inverno para vir; se estiver a chorar, está o Inverno a passar”, ou citado de outro modo: “se o tempo estiver de Sol, ainda vem lá muito mau tempo, mas se pelo contrário, estiver chuvoso, o mau tempo está a acabar”, e “se a Senhora das Candeias ri e chora, está o inverno meio dentro e meio fora”!
Em Caria, Belmonte, efetua-se uma procissão em volta da Igreja. “Se as velas choram (isto é, se se conservam acesas e os pingos caem) o inverno está fora, se as velas riem (isto, é se se apagam) o inverno está para vir.
Devemos procurar a humanidade e a luz! Procuremos compreender o mundo que nos rodeia e o lugar que aqui ocupamos! Certo que a Capelinha de N.ª Sr.ª Candeias, modesta e humilde, na sua simplicidade, continua ali, espectadora! Foi local de brincadeira do signatário, de magustos idos da minha juventude e das tardes notáveis de concertos da banda filarmónica. Mas … continua aí, alva, à beira da estrada, a memorar ao caminhante que a pressa com que vivemos impede-nos de viver. Quando ali passo nas minhas andanças cogito na citação do Cardeal Tolentino Mendonça: “Todos, mais ou menos, estamos feridos, andamos à procura de sentido e esperamos encontrar um lugar onde nos possamos sentar e recuperar o fôlego.” Que melhor lugar, que melhor planalto que o de N.ª Sr.ª Candeias para nos dar alento e luz?
1 Voz da Beira nº 117 01-04-1916
2 Pimentel, João Maria Pereira d’ Amaral e, Bispo – Memórias da Villa de Oleiros PUBLICAÇÃO: Angra do Heroismo : Typographia da Virgem Immaculada, 1881.
3RAU, Virgínia – Feiras Medievais Portuguesas: subsídios para o seu estudo. Lisboa: Editorial Presença, 1982
4 Voz da Beira nº 57, 06-02-1915