Crónica

Breve história de uma pessoa que pensava que era duas

No fundo da rua, na cidade mais próxima, do outro lado do mundo
Alguém retira uma carta do baralho, estende a mão na tua direção
É precisamente a última carta do teu baralho quando o viras na mesa
Coincidências acontecem, e duques de ouros todos os baralhos têm.
Começas a tirar carta a carta, e não há um erro na sequência dos baralhos
Ela sorri, vai mostrando carta a carta, e é cada vez mais evidente
As sequências criadas de forma aleatória, são gémeas monozigóticas
O seu sorriso confiante, é a luz que dá forma à sombra do meu coração
Os espelhos servem para refletir as razões do corpo
Eu não sabia que há um eu fora de mim dentro de ti
O baralho aproxima-se do fim, na penúltima carta surge o inesperado
Pela primeira vez, ao longo de cinquenta cartas iguais
Ela tem a dama copas, ele tem o valete de copas.
Olham-se, no silêncio da tarde que se fez noite e madrugada
O sorriso cúmplice preenche todos os vazios dessas almas nuas
O que acabou de acontecer, é a confirmação derradeira da profecia de Aristófanes
Eles sabem que as cartas seguintes também não coincidem, e curiosamente, é esse desencontro que os encontrará pela eternidade.

Autor

Gosta de tocar piano, ler e escrever. Nasceu na Sertã e mora actualmente em Gaia.