Crónica

Baile de finalistas

A noite traz o ar gélido de Fevereiro, mas o frio não belisca o espírito festivo, e a excitação jovial.
O grupo de cerca de vinte rapazes está a chegar ao pavilhão onde decorrerá o baile de finalistas. O som que arrufa das janelas do pavilhão, já se ouve ao fundo da rua dos choupos, misturado com risadas imberbes, e comentários um pouco mais efusivos.
Alguns elementos do grupo providenciaram garrafas onde misturaram bebidas inebriantes, que em pouco tempo vão deixar o espírito mais liberto. O dinheiro não abunda, e o preço do bilhete rouba valor à milena cravada aos pais para a noitada.
À entrada, entrega-se um bilhete, e recebe-se um carimbo na mão, para se estar identificado como pagante, caso se queira sair e entrar do recinto.
As canções vão-se sucedendo, no meio da multidão, há uma camisola amarela que lhe prende a atenção. Enquanto convive com os amigos, vai criando clareiras visuais para poder observar a rapariga com um olhar tímido que o tira do sério.
Depois de mais dois copos com os amigos, ganha coragem, aproxima-se da camisola amarela, que embora seja de um amarelo escuro, já lhe ofuscou os sentidos.
As misturas etílicas caseiras, antecedidas de duas imperiais no bar, fizeram-no esquecer que não sabe dançar. Arranca destemido pela multidão, e pára em frente à mulher mais bonita do baile, pigarreia um pouco para limpar a voz, chega-se perto para ser ouvido no meio de todos aqueles décibeis, e sai-lhe um desajeitado mas decidido,

– Olá, queres dançar comigo?

Aquele olhar tímido, que fascina por omissão, que deslumbra pelo que não mostra, tomou todo o seu esplendor, e como que sentindo-se na obrigação de dificultar a vida ao pobre desajeitado que a interpelava, respondeu com ar sério:

– Eu não sei dançar!

Nessa altura, ele lembrou-se que também não sabia, e aquela desculpa para a recusa ainda lhe deu mais alento. Decidido voltou à carga.

– Sabes fingir?

Ela olhou-o espantada e retrucou com um seco

– Não,

e ele cheio de manuais de filosofia e de pisang-ambong com vinho a martelo, continuou.

– Podes sempre fingir que sabes dançar e que queres!!

Era a sua cartada derradeira, ela sorriu envergonhada e estendeu-lhe a mão em pose de dança.
A banda tocava agora algo mais lento, que o ajudou a aproximar daquele corpo fascinante tão diferente do seu. Ele não sabe se acertaram os passos, pois estava absolutamente absorto com o toque naquele corpo, o cheiro a shampoo floral, e o hálito de pastilha de morango.
Quando a música acabou, ganhou coragem novamente e perguntou-lhe se queria ir passear.
Ela disse que sim, desde que não fossem para longe, pois o pai vinha buscá-la dentro de uma hora.
Começaram a furar a multidão de pares que dançavam encostadinhos, estendeu-lhe a mão, ela pensou que era para não se perderem na confusão, mas ele não a queria perder no mundo, por isso, mesmo na rua, continuou a segurar-lhe a mão, e foram de mão dada até à beira da ribeira.
A água corria lentamente pelo leito, e refletia a luz da lua que brilhava altiva.
Dentro do pavilhão, soaram os primeiros acordes de unchained melody, e o som chegava até eles no volume ideal para o sentirem, e ouvirem a essência mútua da sua natureza.
Olhou-a nos olhos, e roubou-lhe um beijo no canto da boca. Olharam-se sob a luz da lua, as suas bocas pediram mais.
Com voz envergonhada, ela disse-lhe ao ouvido,

– Ainda bem que meteste conversa comigo.

– Ainda bem que aceitaste dançar, respondeu ele.

Sentiram que milhares de palavras poderiam sair das suas bocas para os unir, mas os seus corpos ficaram colados a sentir a pulsação galopante.
O prazer inocente dos amantes lunares.
A noite ainda é uma criança, mas será sempre curta, para a dimensão de todo o desejo dos amantes improváveis.

Autor

Gosta de tocar piano, ler e escrever. Nasceu na Sertã e mora actualmente em Gaia.