Esta semana vimos partir o mestre do mármore, o artista que através dos contornos dos corpos voluptuosos embarcou numa viagem pela celebração do feminino. Que através dos seus materiais e formas, conseguiu de forma magistral juntar estranheza e capacidade ornamental.
Dos aspectos que mais gosto nas obras do Cutileiro é a forma como usa e excede a simetria como justificativa e forma para representar emoções. De um homem que se assume como artesão ou operário, mais do que artista, vê a sua criatividade fundir-se inevitavelmente com os efeitos plásticos da pedra e do mármore que escolheu como amantes para a vida.
Porque uma criança começa inevitavelmente por representar aquilo que vê à sua volta, inicia a sua jornada pela escultura popular. Mais tarde, em ruptura vertical com a academia, ve a sua obra transformar-se e assumir um olhar privilegiado pelo corpo feminino.
Fiel aos seus métodos e rompendo com as tradições da escultura Portuguesa, assina obras controversas como o D. Sebastião. Despido de armas, exército e qualquer traço de adultez forçada, Cutileiro apresenta-nos um jovem frágil e solitário e que nele carrega talvez toda a sua história.
Com uma técnica que oscila entre a robustez do acaso nas formas da pedra que trabalhava e a redondez sensual das formas que cria, não deixa de ser inesperado que a harmonia do seu traço nasça da violência do seu toque. Com o eufemismo da violência que usa para dar forma, cria assim uma linguagem própria, usando-se dos seus próprios rituais.
Mais do que procurar uma função decorativa, Cutileiro usou a sua obra para provocar e contar histórias de geografias perdidas. Através do equilíbrio entre o formalismo das superfícies e um erotismo visceral das formas que trabalhou, assim nasceram as mulheres de Cutileiro.
Talvez as suas viagens em criança, o constante movimento de quem sempre parte para regressar, se tenham reflectido mais tarde nesta necessidade de trabalhar o que de mais bruto a terra nos dá. Como uma necessidade de se permitir germinar em algum lugar, deixar assentar o pó e assim durar eternamente.