Claro que a comida tem que ser requintada, ao gosto e ao olhar, um prato bonito, uma mesa bem-posta, uma toalha esmerada, os melhores talheres, se possível um belo arranjo floral, mentira, não tem de ser nada disso! A mim basta-me a autenticidade, o saber que foi preparada com carinho, é um ato de amor, de generosidade, onde se coloca o melhor que se sabe.
Como descrevo uma filhós acompanhada de um café de cafeteira? E se este pequeno requinte for na casa dos meus avós, numa manhã fria de inverno, em que nem a Serra da Lontreira despiu o pijama cinzento, nem a Serra da Isna se desembrulhou dos lençóis brancos com que dormiram? Quem nunca foi acordado pelo aroma, em vez do despertador, não vai saber do que falo.
Quando o primeiro dos instintos que desperta é o olfato. Não é a audição, nem a visão, mas sim o olfato, é um privilégio, quando os aromas de um café acabado de fazer se desprendem da cafeteira, pairam no ar e se movimentam na direção do teu corpo ainda adormecido, é um dos melhores acordares.
Há muito de hipnótico nestes despertares, no sentido em que se calhar nem acordaste, mas vais, vais nessa direção, levitas, segues a linha daquele aroma, inalas e segues, o teu corpo talvez ainda não te pertença, talvez até nem estejas acordada, mas vais, impelida pelo corredor, até à cozinha, e ali, para além do aroma, vês-lhe o fumo que se solta da superfície lentamente, numa espécie de alquimia em contra luz, e ali ficas a sentir o calor nas mãos e no nariz. O calor que sentes não é só o da temperatura, é o calor dos grãos torrados, do castanho e da bolhinhas que sobem e se encostam à caneca, talvez até sintas o calor do arbusto do café, nas terras longínquas onde se prende ao solo.
Se, a isto se juntar a salamandra da cozinha já acesa, a libertar o calor e o cheiro a lenha, a cada vez que se abre para juntar mais um tarolo, enquanto os vidros das janelas ficam foscos com a diferença térmica, então já deixei de ter os pés no chão.
E a filhós, pode ser do dia anterior, pouco importa, na verdade acho até que melhora, melhora a consistência, aprimoram-se os sabores, e sabê-las amassadas com carinho, sinto-lhes o toque da aguardente e do sumo da laranja, fritas em azeite, basta-me.
Também podem ser umas papas de carolo com mel, a levitação no meu caso ocorre da mesma maneira, e no mel vejo ouro, e só paro quando vejo o fundo ao prato.
A comida, os cheiros, os sabores e os paladares podem transportar-nos para momentos de felicidade e conforto, simples assim. E esta imagem foi-me enviada por uma querida amiga, obrigada Sílvia!