Ele é o Romeu e ela a Julieta. Vivem os dois na mesma aldeia, mas os pais pertencem a listas diferentes para as eleições autárquicas.
O amor deles cresceu durante a quarta classe, altura em que partilharam a carteira.
Durante o lanche, ele dava-lhe fruta e ela dava-lhe bolachas no meio de muitos sorrisos e olhares cúmplices. Ela tinha um olhar doce e ele retribuía com um beijo que atravessava o ar.
Os pais não sonhavam que este amor proibido estava a crescer. Estavam muito ocupados à procura de apoios e a jurar vingança a todos os que estavam contra eles. Fazia parte da poesia das eleições autárquicas, poemas sem fim sobre o pequeno poder que sobe à cabeça das pessoas e que as leva a fazer coisas muito pouco éticas.
A lista da mãe dela está há muitos anos à frente da Camara Municipal. Está instalada há anos sem fazer nada que se veja, a não ser no último ano de mandato, altura em que sempre surge uma obra aqui ou outra ali. O pai dele cansou-se do partido porque viu que não conseguia chegar onde queria, por isso concorreu contra ela no partido mais ao lado. É verdade que havia outras listas, mas nenhuma tinha hipóteses contra estes dois.
Nas redes sociais trocavam-se palavras amargas e ameaças. Para vencer, ambos acreditavam que teriam de desenterrar os podres do adversário. Eram batalhas épicas no Facebook. Lavagem de roupa suja e acusações mútuas. Vencer a todo o custo esquecendo totalmente o amor à aldeia onde ambos viviam e que em teoria seria a razão para a luta: fazer da vida naquela aldeia um sítio prazeroso onde as pessoas gostavam de viver e onde se sentiam bem. Népia, isso agora não interessava nada. Valores mais altos se levantavam: ter poderzinho.
Mas Romeu e Julieta continuavam a partilhar o lanche. Agora já no quinto ano. Ela era a primeira escolhida para a equipa dele nas aulas de educação física. Ela ajudava-o com os trabalhos de ciências da natureza. Em breve iriam dar o aparelho reprodutor e estavam ansiosos para saber mais e ver o seu professor corado a falar daquelas coisas.
Mas as eleições estavam à porta. Faltavam poucos dias e o boato começou a correr na aldeia. Os pais nem queriam acreditar naquela história e foram tirar aquilo a limpo.
Eles não negaram e disseram que fugiriam para bem longe pois o seu amor era maior que aquelas duas listas para a Camara, Assembleia e Junta de Freguesia. Os pais riram e pegaram pela orelha cada um dos dois.
Soube-se mais tarde que ela foi mandada para casa de uma prima que vivia algures em Bragança e ele foi para um colégio interno na Suíça. Ficaram proibidos de entrar em contacto e o amor acabou por ficar em águas de bacalhau.
Na aldeia, a vida continuou apesar daquele amor ter morrido de uma forma tão violenta.
E as eleições? Essas acabaram por ser boicotadas por um sujeito que queria que a estrada dele fosse alcatroada até à sua adega.
Fim
P.S. Esta história não foi inspirada em qualquer facto real, embora pretenda satirizar tudo quanto acontece por alturas de eleições autárquicas. Mas o que eu queria realmente salientar aqui, é que nas autarquias há muita gente honesta e competente, gente com o coração no sítio e bem diferente dos pais deste Romeu e desta Julieta por isso no domingo vão votar e fazer com que as nossas cidades, vilas e aldeias voltem a ser o mais importante. Por favor!