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O Restaurante “O PRONTINHO” renasceu!

Os nossos egrégios avós sempre observaram uma robusta ligação à natureza. Ali radicava o seu sustento e a essência da sua própria vida e da sua família. Era dela que vinha a resina, o azeite, o vinho, os vegetais e a carne. A vida era feita em função do cultivo de plantas, das sementeiras, da colheita dos frutos e da criação de animais, num rito e calendário, à roda do ano, quase sempre imutável.

O oleirense era trabalhador, temente a Deus e respeitador das tradições, atributos a que se acrescentava a resignação no seu labutar, mourejar, cantar e viver. Ainda hoje, pelas serras, ribeiros e campos, fluem lendas, contos, danças e cantares remotos, segredos de doces ancestrais e receitas de culinária.  

O gado predominante nas serras era o caprino, em razão da abundância das encostas inclinadas e de vales providos de coberto vegetal diversificado, com a hegemonia da torga, urze ou moita, sargaço, tojo e carqueja e povoamentos de oliveiras, pinheiros, castanheiros (a árvore abençoada dos oleirenses), ervedeiros ou medronheiros, de onde se obtém a famosa aguardente de medronho. 

Tínhamos a severidade e rigor do inverno, basto em colossais camadas de geada e frio impetuoso. Em consequência, os animais campestres abrigavam-se no final do dia nos bardos e nos currais, paredes meias com as casas de morada de família, construídas à base de xisto.

O gado era uma fonte essencial de sobrevivência dos nossos ancestrais. A sua abundância deve-se aos muitos lameiros presentes junto aos bastos cursos de água. A partir das primeiras chuvas de outubro, davam quatro e mais cortes de erva que misturada com palha de milho, cevada e centeio, formava farto e suculento sustento para as ovelhas e chibos ou cabritos. 

E é este último animal serrano – o cabrito – que importa tomar por tema. 

Há pratos gastronómicos que chegam à nossa vida por acaso, passam a fazer parte dela e depois volvem paixão.

O nome do restaurante “O Prontinho” é fruto de uma vida dedicada à restauração do cabrito e de uma singela conversa familiar entre o Sr. António, a D. Maria Afonso e a sua filha, Ercília. 

Contemos a história deste restaurante, ou sítio inesquecível, agora renascido pelo chefe André!

O topónimo foi sugerido pelo único rebento da casa. Relevou a ligeireza da sua mãe para a confeção gastronómica, bem como a prática e arte de bem governar dos anteriores estabelecimentos comerciais da família: o “Café Alvelos” e o “Verde Pinho”.

Acolhido o nome, veio a decoração, o forno a lenha e a dedicação.

O diminutivo “O Prontinho” transporta consigo uma ação de celeridade, mas também assaz carinho, consabido que tudo na vida tem o seu tempo, diálogos, personagens e talentos, que são elementos capitais para cativar, presentear e regalar o cliente.

Compulsando a imprensa da época, vamos encontrar em 1966, uma referência no Diário de Noticias, New Bedford, USA, de 18 de julho de 1966: “Eis a receita do saboroso petisco o qual, cozinhado por D. Aura Martins Romão, obteve também o Primeiro Prémio de Cozinha, quando do Concurso Nacional de Cozinha e doçaria Portuguesa, promovido pela Televisão [realizado em 1961]. Arranja-se um cabrito de mês e meio e estona-se isto é: … vai-se mergulhando o bicho em água a ferver, ficando este com a pele muito clara e completamente limpa, parecendo um leitão. Por uma pequena abertura, feita na barriga, extraem-se-lhe depois as vísceras e miúdos. Lava-se muito bem o animal e põe-se a escorrer, pendurado, de um dia para o outro.”

O prato começou a ter fama em Portugal. Pasme-se! Até nas caixas de fósforos familiares da Fosforeira Nacional, dos anos 70, figurava a sua receita: “CABRITO ESTONADO À MODA DE OLEIROS. Prepara-se o cabrito barrando-se por dentro e por fora com alho picado, sal, um pouco de pimenta e vinho branco. Recheia-se com um pouco desta mistura acrescentando-lhe o presunto, os miúdos de cabrito, cortados aos bocados, a salsa e louro. Cose-se depois a abertura. Deve-se depois deixar repousar durante algumas horas, após o que se barra com bastante banha de porco e se coloca numa assadeira cujo fundo esteja coberto por uma grelha feita de paus de louro. Vai ao forno bem quente, devendo haver o cuidado de o virar para ser tostado por igual, sem deixar que se rompa a pele.

Esta receita faz parte da obra de Maria de Lurdes Modesto, publicada em 1982, “Cozinha Tradicional Portuguesa”, uma magnífica publicação de 800 receitas, que mostra os enigmas culinários ciosamente guardados de geração em geração, e, até hoje, o livro de gastronomia mais lido em Portugal.

A D. Maria Afonso, ou simplesmente D. Afonso, como era conhecida pelos oleirenses, aprendeu o jeito de preparar o cabrito, bem como a sua receita – um segredo bem guardado – com a D. Aura Martins Romão, aquela que deu o ser a esta iguaria.  Todavia, a sua primária experiência gastronómica não foi com este animal. Nos primeiros anos da década de 60, dedicava-se a confecionar frangos no Café Alvelos, tarefa bem mais fácil que todo o cerimonial para a feitura do cabrito estonado. Mas motivada pelas “meninas Romão”, de quem o seu marido era o despenseiro e motorista, lá se dedicou ao atual ex-libris gastronómico desta linda terra. 

A seleção do cabrito pela sua alimentação e no curral são atos fundamentais. Só um bom animal dará um sublime pitéu, sem prejuízo de todos os atos antecedentes ou preparativos, como a quantidade de ingredientes, o tempero, os paus de louro, a marinada que deve ser efetuada 24 horas antes da confeção, o calor do forno, etc.

O primeiro cabrito estonado foi servido nos anos 70, aquando da inauguração da Fábrica da Resina, na Torna, do Sr. Augusto Fernandes. 

Naquele tempo, muitos dos cabritos eram tostados nos fornos das padarias do Sr. João Rei e do Sr. José Rodrigues e depois colocados na restauração.   

Mas a D. Afonso não era a única que cozinhava esta iguaria e que perpetuou a sua tradição.

O cabrito estonado é um dos pilares da nossa identidade cultural, 

por isso, em 2015, foi criada a sua Confraria Gastronómica. Devemos lembrar as mestres de culinária que participaram na maioria dos atos marcantes na vida desta vila: casamentos, batizados, festas populares e muitos outros acontecimentos que marcaram e marcam, hodiernamente, a vivência e o convívio das nossas gentes.  Memoramos, portanto, a D. Afonso, a D. Prazeres, a D. Odete Rijo e a D. Ilda, a quem devemos gratificar todo o seu denodo e entrega na preservação e divulgação deste património intangível que nos cumpre hoje, e sempre, salvaguardar e promover.

Bem-vindos a OLEIROS e ao O PRONTINHO, renascido pelas mãos do chefe André. 

Venha visitar-nos e desfrute de uma refeição notável, CABRITO ESTONADO À MODA DE OLEIROS!

Créditos fotográficos: Valter Vinagre

Autor

Gosta de sopa de massa com couves e feijão. Gosta, cada vez mais, de coisas simples e da mãe natureza.