Geral

Nas águas do Rio Mekong…

A caminhada até ao rio não é longa. O cais – que é apenas um conjunto de degraus gastos, poeirentos e improvisados nas margens do rio – tem vários barcos compridos ancorados. O meu é um deles. O bilhete não diz nada acerca de qual o barco em que devo embarcar ou qual o meu lugar mas escolho aquele que ainda tem lugares na parte da frente: ouvi dizer que o ruído do motor a diesel, que se situa na parte traseira, se torna muito incómodo. Sigo o conselho, afinal será um dia inteiro. O primeiro de dois dias de navegação num “Slow boat” no cénico e majestoso rio Mekong.

O barco é longo e estreito, com um casco raso de madeira que já viu dias melhores. Subo a bordo e sigo até aos primeiros lugares. Já há alguns passageiros sentados nos bancos, a observar o rio, como se este estivesse ao longe.

O sol que nasceu há pouco, ainda lança um brilho alaranjado sobre a água. O ar está impregnado com o cheiro de combustível diesel e o som do motor ronca debaixo do convés. Sinto uma certa ansiedade e curiosidade misturadas enquanto observo os outros passageiros e imagino o que está para vir.

Sento-me e observo enquanto o barco lentamente se afasta do cais. Alguns membros da escassa tripulação empurram-no para longe da margem com a ajuda de umas varas compridas. Devagar, a embarcação dirige-se para o meio do leito onde a corrente se faz notar forte… Afinal a água que parecia quase parada e lacustre corre num bloco titânico rio abaixo… Mais rápida do que imaginei. Ainda assim, depois do barco entrar na volumosa massa de água, há algo de estático no movimento. A maioria dos passageiros ao meu redor parecem indiferentes, alguns até dormem já profundamente. Fruto de noites vividas intensamente (percebi). Sinto-me um pouco inquieto com uma ou outra ocasional perturbação no movimento do barco, mas também há algo reconfortante na sua constante oscilação.

Resta-me pouco para além da contemplação. Navegamos pelo rio abaixo e, ao contrário de um ou outro grupo de “viajantes-instagram”, olho frequentemente para a paisagem, a passar. Sempre a paisagem, a passar. Nas margens, maioritariamente rochosas, também há recantos de areia branca e fina que parecem pertencer ao mar e não ao rio. As colinas sobem íngremes dos dois lados do rio, cobertas por densa vegetação de selva tropical. Pequenos barcos de pesca balançam na esteira do Slow boat. Mesmo que não queira, sinto-me inspirado pela paisagem e pela tranquilidade da jornada.

Há algo calmante neste balanço suave do barco e no som da água a bater ocasionalmente contra o casco.

A navegação leva-me a uma deslocação geográfica longa e monótona por um dos maiores rios do mundo. Nascidas no Tibete, estas águas seguem caminho pela China, Mianmar, Tailândia, Cambodja até desaguarem em Saigão, no Vietname… As águas seguem vagarosas, mas massivas, e levar-me-ão nos próximos dias pelo Laos abaixo…

Vou devagar, mas não me importo, porque este estado de espírito amplifica o alcance da minha imaginação e da minha noção de ser humano, privilegiado. 

Cheguei a Pakbeng, o meu primeiro porto, sem pressa para sair, amanhã voltarei a embarcar. Não há pressa, nem urgência. Apenas a lenta e constante passagem do tempo no rio Mekong.

Pakbeng, 28 de fevereiro de 2023


Este texto foi escrito intencionalmente na primeira pessoa para reforçar o estado meditativo e individual da experiência, mas sinto que é importante mencionar que me encontro a viajar em família, com a minha cara metade Catarina e o meu filho João, de 6 anos.

Autor

Metade músico, metade produtor, metade apaixonado por viagens, metade inquieto profissional.