Crónica

A linha férrea que nunca passou do papel

Refletir sobre o espaço e a geografia é um caminho que nos leva a compreender as estruturas oriundas do passado e a enfrentar o futuro.

A configuração da rede de transportes da nossa região gerou diminuição da riqueza dos nossos egrégios avós, sina para gerações atuais e estabeleceu uma pesada herança para os vindouros.

A evolução de um projeto político e social sempre se ligou com a influência das pessoas – na monarquia constitucional e na república – e no peso das localidades por onde se cruzavam os itinerários das diferentes vias de comunicação, quer rodoviárias quer ferroviárias. 

As atuais assimetrias territoriais e regionais, fruto do passado, são imensamente acentuadas.

Ouvi recentemente na CCDRLVT, em Lisboa, sermos um concelho “da província” dito no sentido pejorativo!

Bem podemos cantar hossanas à coesão territorial, ao desenvolvimento regional, à valorização do interior, à redução das desigualdades territoriais ou ao desenvolvimento equilibrado do território! A perda de população é flagrante, como o demonstra os censos de 2021, o que entra pelos olhos dentro! Ponto! 
Certo que importa recuperar a economia, mas também, como irrepetível oportunidade, avançar na alteração estrutural de pensar o território como um todo para minorar as disparidades e a desmesurada inclinação litoral do mapa de Portugal!

– “Oh Fernando, foram tantos erros!”, como diz um meu amigo, “já vamos tarde”!  Será?

Na pedagogia da esperança devemos preocupar-nos com a ideia de futuro.

Mas para construir essa ideia importa conhecer a história. Vamos então à história …

A nossa região sempre foi hostilizada quanto à construção de infraestruturas necessárias ao seu desenvolvimento pela administração central.

Em 1895 os mapas rodoviários só mostram estradas até à Sertã.

Em 14 de janeiro de 1897, já o jornal “Echo da Beira”, no seu n.º 4, mencionava que “ … entre a série de melhoramentos que temos a reclamar perante os poderes públicos, há um que se impõe desde já à nossa consideração, porque são enormes os benefícios que d’ali resultam, não só para a Sertã, mas para o concelho em geral. Trata-se d’uma estrada entre a Sertã e Oleiros, que siga pela serra onde pode então bifurcar-se para Álvaro e Oleiros. Aqueles dois povos jazem há muito sob um jugo de ferro. Precisam abrir os olhos à luz cintilante do progresso para que saiam do estado de inação e quase barbaria em que se encontram (…)”

Os adjetivos do cronista eram duros, mas reais perante a desigualdade gritante. 
Em 1909, na revista de Ideias e Cultura – A Construção Moderna, n.º 292, de 20 de abril, conta-se :  “ …

Oleiros, com uma área de 58:354 hectares, constituído por terrenos muito férteis, bastante abundantes de água e muito arborizados, onde abundam as oliveiras, castanheiros e pinheiros, vê os seus produtos desvalorizados pela carência absoluta de comunicações, pois que a única estrada macadamizada que existe no concelho é a que vem da Sertã, começada em 1881, a qual ainda hoje, passados 28 anos, não atinge a sua sede, não chegando a ter 5 quilómetros construídos dentro do concelho (…)”.

Compulsando o mapa rodoviário de 1907 verificamos a existência desses 5 km a norte da Sertã, mas por ali ficou a força essencial ao desenvolvimento.

Lembro que só passados quase 100 anos, em 2 de novembro de 2012, é que o troço Sertã-Oleiros permitiu uma redução significativa da distância relativa com a vila da Sertã.

Em meados do século XX tínhamos 1 hora para fazer 32 quilómetros. Certo que a vista era, e é, deslumbrante, mas ter de passar pelo alto da Serra de Alvelos, Alto do Cavalo, Cesteiro e percorrer as curvas da Corgalta, feitas pelo inglês “Yes”, na vox populi, tantas eram as curvas, não será convite a contratar em termos de economia de mercado.

Se do lado poente a via do progresso demorou a chegar do lado nascente Oleiros – Foz do Giraldo não foi muito melhor! Só com o empréstimo de 330 contos de Augusto Fernandes ao Estado, em 1946, se procedeu à abertura daquele troço rodoviário.

Na mesma revista de 1909 podemos lobrigar a esperança de um grande empreendimento, a passagem da linha férrea pelo concelho de Oleiros.

O anúncio foi calorosamente recebido pelas populações: a construção de um caminho que rasgava o interior. Era repristinada uma “nova” estrada nova, iniciada perto do ano de 1800 pelo Marquês de Alorna, estrada que ligava o concelho do Fundão a Tomar.

O projeto prometia voltear a região na senda do progresso com o aproveitamento da floresta e das minas do Cavalo, Borralhal (ambas de volfrâmio) e Barraca do Mial (chumbo).

Ainda hoje restam os ecos de uma das decisões políticas do Estado central – porque não realizada – pois lesou os nossos antepassados e comprometeu o porvir das nossas gentes.

No jornal “Voz do Povo”, n.º 9, 29 de janeiro de 1911, falava-se da linha férrea do Zêzere: “Como delegados das comissões de defesa dos interesses dos concelhos da Sertã e Oleiros, os cidadãos José Antunes Pinto, Manuel Fernandes Pereira, António Baptista Ribeiro, dr. António Dias da Silva, Ignacio da Costa, Manuel Martins Cardoso, apresentaram há dias ao Sr. Ministro do Fomento uma representação em que as comissões municipais republicanas desses concelhos solicitam que se proceda aos estudos definitivos de uma via férrea que ligando as cidades de Tomar à Covilhã atravesse aqueles concelhos. Esta linha viria valorizar uma região rica e suscetível de grande aumento nas suas já hoje importantes produções agrícolas, mas desprovida completamente de viação acelerada e em grande parte sem estradas ordinárias como sucede no concelho de Oleiros; e unindo dois importantes centros fabris como são Tomar e Covilhã, muito contribuiria para o seu progresso económico e, portanto, para a riqueza pública. Encurtaria consideravelmente a distância entre essas duas cidades e sendo uma linha de comunicação interna trazia também grande utilidade sob o ponto de vista militar. Tal foi o parecer dado pela associação dos engenheiros civis portugueses ao ocupar-se do plano da rede complementar de caminhos de ferro entre o Mondego e o Tejo, em março de 1904. Por estes motivos, de incontestável interesse público, as comissões citadas foram solicitar que se procedesse ao estudo de uma linha que, no seu entender, deverá prevalecer sobre a do traçado da comissão técnica nomeada em setembro de 1899 e por essa comissão apresentado em 1 de junho de 1905.”

O ministro deu ordens para que a linha férrea, seguindo o traçado já identificado entre Tomar e a Covilhã, fosse sem demora colocada a concurso público. Debalde, nada aconteceu!

Do relato de 1909 e da geopolítica dos lóbis importa chamar à colação a rivalidade, ainda hoje presente, entre C. Branco e Covilhã: “Nunca logrou entender quem isto escreve os imperscrutáveis desígnios de alta diplomacia que levaram a Câmara Municipal da Covilhã a ser procuradora oficiosa da sede do distrito (Castelo Branco) tanto mais se admirou quanto pode afirmar, por conhecimento próprio; que o maior inimigo do progresso covilhanense é precisamente Castelo Branco. Houve em tempos na Covilhã um movimento para repelir a tutela albicastrense; conseguiu-se a autonomia municipal, mas em breve logrou Castelo Branco manigançar de tal modo pela política de campanário que hoje a Covilhã recebe em tudo o santo e a senha de influências da sede do distrito que para interesses seus pessoas e vaidades tão inconfessáveis como os interesses tem toda a vantagem em que a Covilhã fique improgressiva e até que retrograde se é possível.”

A comissão ferroviária de 1927 incluiu no plano ferroviário uma ligação de via larga, mas depois dos pareceres das estações consultivas, foi afinal substituída no plano decretado em 1930, por uma linha de via estreita do Pocinho a Idanha-a-Nova, por Pinhel, Guarda, Sabugal e Penamacor a ligar com a linha da Nazaré por Tomar, Sertã e Castelo Branco à Idanha, da mesma bitola (via estreita), linha que, também, nunca saiu do papel.

Certos estamos que os valores dos números, da economia, e das opções políticas são determinantes.

Logo importa parafrasear José Ortega Y Gasset – o investigador do conhecimento – “os homens são eles e as suas circunstâncias”. 

Aguardemos, pois, pelo futuro! 

Autor

Gosta de sopa de massa com couves e feijão. Gosta, cada vez mais, de coisas simples e da mãe natureza.