Imagem: “menstrual” de Joana M. Lopes.
8 de março
Já no passado por aqui escrevi sobre as razões que me levam a considerar que o dia merece destaque, que tem todo o sentido, e assim continuo. Mas não para ser comemorado com as condescendentes ofertas de flores, os jantares à luz das velas, nem com cafezinhos com “az nossas amigas”, nem com catálogos de produtos de beleza, ou com a compra de pequenos ou grandes eletrodomésticos que nos vão permitir melhores performances domésticas, não é assim que vamos lá. Na outra crónica a este propósito optei por evidências e conceitos factuais, dificuldades mais concretas, e assimetrias mensuráveis: paridade, equidade, acesso à educação, à carreira, etc. Não me vou repetir, continuo a acreditar no que escrevi.
Mas hoje, gostava que esta crónica tivesse um pendor mais reflexivo, mais consciente das anacronias que continuamos a acentuar, sim, porque levamos séculos de “atraso civilizacional feminino”, assim aqui vai:
Sabem que a semântica importa para mim, que também é com as palavras que contamos estórias e construímos narrativas, por isso sublinhei acima que o DIA é INTERNACIONAL e é DAS MULHERES, assim, no plural, para que possa ter a maior abrangência possível, para que possa representar o maior número de Mulheres, para as que queiram sentir-se representadas, para que possa ser um abraço a todas. O singular é sempre mais curto, estreito e apertado que o plural, que por sua vez é maior, mais largo e abarca mais. Por isso importa salientar que é uma celebração que ocorre um pouco por todo o mundo e, quero acreditar que pretende abarcar todas as formas que a condição (humana) feminina quiser ter, todas as suas expressões, todas as cores, todos os credos, todas as territorialidades. Não há uma forma de ser mulher, há muitas, há várias e todas são válidas e importantes, todas merecem ser celebradas.
Temos andado distraídos com ideias como:
A falta de exemplos no feminino, assim na História, na Arte, na Ciência, na Política, no Desporto, na Liderança, nas vertentes da vida em geral, o que fazemos para motivar as meninas a acreditarem em si, nos seus sonhos? Damos-lhes exemplos e modelos predominantemente masculinos. Porquê? Por várias razões, porque a história se escreveu no masculino predominantemente durante vários séculos, porque o papel das mulheres esteve subalternizado durante os mesmos séculos, porque dá trabalho pesquisar e tentar reescrever as estórias da história, porque repetimos de forma desatenta expressões como: – Atrás de um grande homem, vem uma grande mulher! – As mulheres a pilotar bicos de fogão são imbatíveis, -Mulheres ao volante, perigo constante! (lamento desapontar: a rima faz-se com as palavras: volante e constante, experimentem com homem, que rima na mesma)e por aí adiante…
Depois, porque lhes propomos que “brinquem aos cuidados”, esquecendo que brincar tem repercussões enormes na formação de um ser humano (diferente de sexualidade), quando lhes oferecemos um boneco bebé para que o cuidem, (calma…respirar fundo e ler a frase até ao fim) sem nunca lhes propormos um jogo de construção, ou um instrumento musical, ou outra atividade que possa ser associada a algo “menos feminino”, estamos a acentuar e a fomentar que o papel de cuidadora da casa, da família, dos outros é um papel que assenta bem às nossas meninas, que assenta bem a todas! Teimamos em perpetuar estereótipos e ideias preconcebidas, sem parar para pensar.
Mais, quando educamos as meninas sem lhes falar do prazer, sim, do prazer no feminino, há várias gerações que educamos (ainda que informalmente) os meninos para o prazer, não vejo que o mesmo aconteça com as meninas. A nós, e connosco fala-se de amor! Precisamos de lhes falar de prazer, urgentemente.
Confundimos conceitos há anos. Sempre que teimamos em confundir estes conceitos atrasamos a alavanca que precisamos para ir mais longe, para que as mulheres chamem a si a sua autodeterminação, a sua bravura, a sua vontade!
#Não quero, ou Não me apetece
#Vou ser o que eu quiser
#Sei ferver água para o chá. E tu, o que sabes fazer?
#Sei onde fica o clitóris
#Tenho oscilações hormonais de base mensal
#Visto o que eu quiser
#Se precisar de proteção, peço-te
# Vale a pena celebrar este dia, se for para transformar