Geral

Dia Internacional das Mulheres

8 de março

– Outra vez?! a sério que vais escrever outra vez sobre este tema? Ressoa dentro de mim, esta pergunta e a outra eu -atira o cabelo para trás do ombro, pestaneja e responde calma e arrastadamente: – Simmm, claro

Mais uma vez vou saltar a hipocrisia dos ramos de flores, dos ursinhos com LU2, e os objetos que permitem melhores “performances femininas”, ah e os jantares só de mulheres…passei a ser “liberal feminista”: façam como quiserem! 

Não existe um conceito de Mulher, existem muitas Mulheres, são tantas quantas as suas circunstâncias. O que me importa é que se construa um mundo seguro, inclusivo, paritário, justo para todas. 

Desta vez, vou dedicar esta crónica às meninas, que um dia serão mulheres, preferia que o tom desta crónica fosse feminista, mas sei que posso resvalar facilmente para um tom maternalista, estando consciente decido correr este risco. Preferia que fosse feminista, porque sei hoje que ser mulher é um processo, não é algo que sejamos por conselho, por melhores que sejam os conselhos que escutamos, mesmo das mulheres que se construíram a pulso, que conciliaram várias vida numa vida, que lutaram e que conquistaram, ainda assim, sei que cada uma de nós tem a sua história por direito próprio.

“Há mulheres que trazem o mar nos olhos
Não pela cor
Mas pela vastidão da alma
E trazem a poesia nos dedos e nos sorrisos
Ficam para além do tempo
Como se a maré nunca as levasse
Da praia onde foram felizes
Há mulheres que trazem o mar nos olhos
pela grandeza da imensidão da alma
pelo infinito modo como abarcam as coisas e os Homens…
Há mulheres que são maré em noites de tardes
e calma”

Falta de referências femininas

Quando na escola, a propósito de um tema vos indicarem um autor, um pensador, um músico, um artista, um cientista, um político, um desportista peçam uma referência idêntica: de autoras, pensadoras, políticas, músicas, desportistas e artistas, no feminino. Vão procurar, não se fiquem pelas referências que vos indicam, procurem saber mais, saber que mulheres podem ter ficado na sombra da história.

Sentido crítico:

Lembrem-se que o que vêem nas redes sociais, é o melhor daquelas pessoas, que há luzes, que há filtros, que muitas vezes numa aparência de normalidade, está uma equipa inteira a trabalhar, que há muita irrealidade ali.

Ousem ser diferentes, ser autênticas: não percam tempo, nem energia a tentar copiar modelos e estereótipos, daí virá frustração e provavelmente será um ato falhado. 

SORORIDADE_contrário da lógica instalada

Não permitam que vos digam que as mulheres são as que mais criticam as mulheres, ou as suas piores inimigas, façam ao contrário, há anos que os homens se agrupam para discutirem as “suas coisas”, seja num bar ao final do dia, seja a jogar, ou no ginásio, usem o mesmo sistema, ou outros, façam lobby no feminino. 

Pensem duas vezes antes de criticar quem quer que seja, há muitas maiorias a quem falta a razão. Há muitas estórias em cima de saltos altos, de lábios com batom, ou atrás de um avental, ou debaixo de uma bata. Aproximem-se primeiro, sintam vocês essa pessoa, não repliquem o que ouviram, o que alguém disse. 

Tenham por perto um grupo de amigas, das que têm o coração a bater no lado certo, contem umas com as outras, motivem-se, encorajem-se e enalteçam-se mutuamente, sejam honestas e genuínas. Mais tarde as vossas memórias serão comuns e complementares_ Sororidade, é a empatia, o companheirismo e a relação de afeto que une (as) mulheres. 

Falta de reconhecimento e atenção:

Comecem por olhar por perto e pensem no esforço das vossas avós, mães, tias, amigas, no que fazem e no que as reconhecem, elogiem-nas, não guardem os elogios, as palavras de compreensão e carinho não se esgotam.

Estejam atentas, mas atentas de verdade: escutem-se umas às outras, procurem ajudar-se, desafiem-se, procurem projetos que possam desenvolver em conjunto, aprendam competências novas, enfrentem os vossos medos juntas. 

Inspirem-se nas vossas mulheres, pensem em ser melhores, mais atentas, mais capazes, mais habilitadas, mais conscientes!

Façam diferente, vejam se podem melhorar localmente algumas das práticas, seja na escola, seja na vossa comunidade, sejam agentes de mudança, promovam boas práticas com vista à eliminação das desigualdades de género, à violência no namoro, à violência doméstica, à pobreza menstrual, à mutilação genital feminina, à aceitação da diferença, a outros temas.

Autoestima, auto-imagem e agenda:

No vosso corpo mandam vocês, consintam apenas aquilo que querem, não façam cedências, se for não, é NÃO! Desconfiem de quem vos elogia publicamente, mas vos diminui em privado, seja pelas vossas características físicas, seja pela roupa, seja por que razão for. A quantidade de pele que deixam à mostra, a altura das saias, o tamanho dos vossos decotes, são vocês que decidem, sintam-se confortáveis convosco próprias!

Não julguem mulheres pela capa, premissa válida para ti, e para as demais, há capas lindas que trazem livros ocos no seu interior, e há capas menos apelativas que trazem livros lindos lá dentro. O vosso corpo, como a capa de um livro vai alterar-se com o passar do tempo, preocupem-se com o livro que escrevem, com o que escrevem no interior. E a capa?! Podem tentar evitar que o desgaste seja tão rápido, ou podem sempre encadernar de novo, se quiserem!

As alterações hormonais que vão viver desde a puberdade até ao final das vossas vidas, são reais, vão-vos acompanhar sempre, falem delas abertamente, não as utilizem para humilhar ou diminuir nenhuma outra mulher, não escondam, procurem ajuda sempre que for necessário. Tenho más notícias: Sim, há-de ser uma montanha russa mensal.

A vossa privacidade é vossa, as vossas redes, as vossas passwords, a vossa localização é vossa. Há poucas ou nenhumas razões para ceder em qualquer um destes aspetos, a menos que alguém vos queira controlar, ou diminuir, sob uma outra roupagem de proteção, por exemplo. Sejam vocês a pedi-la (proteção), se sentirem necessidade. 

O tempo em que tudo acontece são vocês que determinam, as pressões sociais hão de ser fortes ao longo da vida, vão chegar-vos de lugares bons e de preocupação, bem-intencionados, claro, outras vezes são só as pessoas a replicarem um guião: para estudar isto em vez daquilo, para casar, para ter filhos, e por aí fora, sejam determinadas, a agenda é vossa e eventualmente da(s) pessoa(s) com quem decidirem ter uma vida em comum.

Escutem, analisem, respeitem quem devem respeitar, e sigam, fazendo o que acharem melhor para vocês. Só assim podem assumir o controlo das vossas atitudes, sabendo que a responsabilidade é vossa. 

Sejam autónomas:

Sempre que possível: autonomizem-se, capacitem-se, não dependam de ninguém, um/uma companheiro/a deve ser isso mesmo, e não o vosso garante nem de subsistência, nem mesmo de felicidade. Procurem o vosso prazer, conheçam-se primeiro, para poderem “reclamar” o que vos faz bem e felizes.

Quando sentirem que o vosso olhar afunila, que as nuvens pairam mais perto, ou que os vossos sonhos se encolhem, prestem-se atenção, façam coisas e procurem experiencias que vos voltem a ligar a vocês mesmas, se poderem viajem: procurem o que é diferente, com os olhos e com o coração disponíveis para a aceitação, para o desafio. Sejam curiosas!

Ser mulher e ser feminista não é sermos nós contra eles, é sermos TODOS!

Que os vossos desejos sejam sempre maiores que o vosso medo, e se o tiverem medo, vão com medo mesmo!

Gostava muito que por cada frase que escutarem: “-A uma menina não fica bem…” vos cresça mais uma pena nas asas e que um dia voem alto, muito alto!

E pronto, já está: maternalista, não consegui evitar!

Sugestão de Leituras

O Segundo Sexo_Simone de Beauvoir_1949 deveria ser “leitura obrigatória”

Novas Cartas Portuguesas_Maria Velho da Costa, Maria Teresa Horta (recentemente falecida) e Maria Isabel Barreno

A Mulher_Natália Correia

O Acontecimento_Annie Ernaux

Minha Senhora de Quê_Ana Luísa Amaral

As fotografias que ilustram esta crónica são da Joana M Lopes: @joanamlopesartist

Autor

É inquieta, gosta de azuis, de estórias, de sons, de lugares, de pessoas com o coração no sítio certo, de ir e de regressar, de olhares e de afetos.