Diz cá... Entrevista

Diz cá… #1 Bernardo Alves

Falámos com o Bernardo Alves no passado dia 14 de Abril, altura em que ele se preparava para a sua estreia num dos famosos directos da pandemia. É natural do Estreito e tem o condão de encher de orgulho todos os que por lá o ouvem. Não é oficial, mas tem o papel de fiel depositário da expressão musical como cantautor na região. Algo que é razão para grandes esperanças, não fosse o Estreito o berço familiar de um dos mais incontornáveis músicos da música portuguesa. Mas isso é algo que vamos tentar saber nesta entrevista, embora não seja coisa que lhe cause ansiedades dignas de nota – para já, quer compor e ter oportunidade de mostrar a sua música.

Bernardo, aceitas o desafio de te apresentares aos nossos leitores numa só frase?

Olá, sou o Bernardo, gosto muito de música, de cantar, tocar e sinto que era mais fácil tocar uma cantiga do que me apresentar desta forma.

Acho que posso dizer que és, orgulhosamente, natural do Estreito (Oleiros, Castelo Branco). O local onde nascemos e vivemos afecta as nossas escolhas e oportunidades, em concreto na área da música?

Sim, eu acho que as oportunidades a nível musical são limitadas no sentido de conhecer mais pessoas da área, do convívio, ter experiências de estúdio, trocar ideias e por aí fora. Eu sinto isso, porque adorando o sítio onde estou e onde cresci, tenho dificuldade em chegar a pessoas do meio musical exatamente porque elas não estão aqui.
A internet resolve alguns problemas, hoje em dia tu sabes exatamente onde é que estão as pessoas que partilham dos teus gostos, tanto músicos como público no geral. A internet democratizou a indústria musical, obviamente quem tem produto de qualidade tem a possibilidade de mostrar, claro que a oferta é gigante e precisas de batalhar, ter visibilidade, mas eu acredito que se chega lá, trabalhando. Não me parece que antigamente assim fosse (também não vivi esse tempo) mas podias ter muita qualidade e mandar cassetes para as editoras, se não te respondessem estavas tramado. Não tinhas dinheiro para produzir um disco, ninguém podia ouvir a tua música. Hoje podem, hoje estejas a viver onde estiveres é possível chegar às pessoas.
Mas também sinto que há outro problema nisto dos autodidatas como eu. Temos um défice enorme em Portugal de formação artística. Há muitos músicos, onde eu próprio me incluo, que não tem formação musical. Há bandas onde tu perguntas quem é que sabe ler música e se calhar levantam-se dois braços. O que eu quero dizer é que não é possível criar talento em volume suficiente só com autodidatas, tem mesmo de haver formação.
Estou a combater isso e agora sim, a aprender com as pessoas certas, muitas coisas a nível musical que nunca ninguém me ensinou.
Desviei-me da pergunta um bocadinho mas tudo isto para dizer que todos têm oportunidade, desde que se esforcem para a alcançar independentemente do sítio onde nasçam ou vivam.

Já estavas no Ensino Superior (num outro curso sem relação com a música) quando descobriste que afinal querias apostar num rumo musical. Como é que isso aconteceu? Terá sido uma revelação gradual, premeditada, ou mesmo um Grito do Ipiranga?

Foi uma revelação gradual e continua a ser. As influências musicais levaram-me a querer fazer a minha música. Quero saber até onde é possível ir, quero tentar para daqui a uns anos não me arrepender de não ter tentado. Quando tive a oportunidade de tocar num concerto em flagrante, o meu primeiro concerto de sempre, na Junta de Freguesia vi que as pessoas gostaram e desde então ando a “esticar a corda” a ver até onde chego.

Também és familiar de um famoso e incontornável músico Português. Queres revelar de quem estou a falar? Esse laço familiar contribui para a tua ligação à música? Como?

Sim, o Júlio Pereira, é um músico fora de série.
Foi uma espécie de enciclopédia, lembro-me dele desde que me lembro de mim e quando me interessei por música ouvia de tudo o que acontecia no estrangeiro e ele foi a pessoa que me abriu a porta e disse “Vê lá se há aí alguma coisa que te interesse”. Então descobri o Zeca, Fausto, José Mário Branco, Sérgio Godinho, Janita Salomé, o Vitorino, o Paulo de Carvalho…descobri que existia música portuguesa muito boa. É certo que muitos destes são cantores de intervenção, mas fez-me ver essencialmente que em Portugal também se faziam e fazem boas coisas.

É-te fácil elegeres referências musicais? Queres escolher três delas e explicar o porquê de constarem nas tuas preferências?

É difícil é eleger só três, são tantas. Mas diria: Ed Sheeran, impressiona-me só o facto de ele com uma guitarra e voz encher estádios inteiros. John Mayer, um virtuoso mestre e responsável por me fazer aprender a tocar guitarra. Por fim, António Zambujo diria que é a minha grande referência e o meu ídolo de sempre. Na minha opinião, a voz mais bonita deste país.
Todos são diferentes na sua sensibilidade musical, o timbre, a originalidade, tipo de música e coisas que às vezes não sabemos dizer porque é que gostamos tanto de um artista e da música que ele faz.

Um disco que tenha mudado a tua vida…

John Mayer – Continuum

É interessante fazer-te esta pergunta em pleno surto de Covid-19. Na tua opinião, a música portuguesa está de boa saúde? Achas que o confinamento e perda de trabalho dos músicos poderá afectar de alguma forma a produção criativa?

Certamente quem vive e trabalha dos concertos, dos espetáculos, da formação sabe bem melhor que eu o que se passa.
Acho que se faz muito boa música neste pais e há gente muita boa. Gostava de um dia ligar a rádio e em vez de só ouvir Drake (nada contra, adoro o Drake) ou por um lado negativo, uma daquelas músicas fast food que nem sabemos quem é o cantor com aqueles kicks pesadíssimos e aos 5 segundos já tens um refrão catchy e frases que não querem dizer nada, ouvir música Portuguesa porque ela existe e com muita qualidade.
Com este surto do Covid-19 digo que os artistas sempre se reinventaram e sempre deram a volta. Dão sempre a volta às situações negativas. Espero que as pessoas que têm bilhetes para concertos, se lhes for possível, em vez reaverem o dinheiro, apareçam no dia das novas datas.
Quantos de nós é que fechados este tempo todo em casa não ouvimos uma boa música ou chegamos ao Netflix e metemos uma série qualquer a dar? Essas pessoas não merecem ser valorizadas? Não são só os músicos que estão sem trabalho. O pessoal das artes merece ser valorizado. Sem exceção.

Por fim, até novo encontro, queres deixar-nos uma música que te inspire – e um link para a ouvirmos?

Obrigado pela oportunidade! Um grande abraço a todos. Cuidem-se.
Aqui vai, espero que gostem!

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