Opinião

Queremos a reconquista, ou a redescoberta do interior?

Não podemos deixar que os dados demográficos ou outras estatísticas ditem o valor definitivo do interior. É certo que a desertificação, o envelhecimento da população são debilidades com que temos que lidar e que não facilitam a colocação do território no mapa das estratégias do desenvolvimento económico, mas também é certo que as cidades a litoral estão a crescer imenso e a congestionar-se. Na minha opinião, não tardará muito para que muitos venham a redescobrir o interior na esperança de encontrarem a qualidade de vida que por cá é possível ter.

Se, e quando isto acontecer, o que vamos fazer perante a chegada desses – perdoem-me a expressão – “retornados”? Vamos ficar a olhar com olhos críticos? A pensar: “olha-os, não quiseram saber da nossa terra quando foram embora, mas olha-os agora a voltar…”. Ou vamos receber todos de braços abertos?

Consigo identificar, sobre este assunto, dois pontos de vista, ou até mesmo dois tipos de pessoas.

Por um lado, os que se ocupam a apontar a desertificação como o maior problema – essa desertificação que deixou tudo o que cá está, a quem cá está. Ouve-se: “Ao menos que não se fossem embora. Cada vez somos menos.” “Como é que havemos de ter cá uma escola se já somos tão poucos?”. Ou “Ah, o hospital fechou porque não se justificava, agora só temos uma ambulância que nos leva ao hospital da cidade mais próxima, mas se acontece alguma coisa durante a noite não sei como será”. Esses, parecem manifestar o desejo de termos mais gente por perto, porque, sermos mais dá-nos mais força nas decisões dos nossos governantes.

E por outro lado? Temos os que se ocupam com os olhares de soslaio à chegada das pessoas de fora. Vêem invadir aquilo que é nosso? “Quem é aquele, e o que anda aqui a cheirar?”. “Antes estava-se cá mais sossegado, deixávamos a chave na porta, ou no sítio, porque os nossos sabiam onde a encontrar. Mas agora não, ninguém confia. E vejam bem que “o António da mercearia contratou uma rapariga dessas que chegou há pouco tempo – podendo dar emprego a um familiar, onde é que já se viu?”.

São os dois lados da questão, dois tipos de pessoas. Mas serão estas as únicas duas formas de olhar para a questão? Ou seja, para além do sentimento de abandono e do sentimento de invasão, haverá uma perspectiva que nos permita uma elasticidade para as mudanças? Se o que queremos mesmo é receber novas pessoas temos que as saber acolher, afinal. Não falo de acolher visitantes, mas de acolher quem vem para se fixar. É provavelmente um caso semelhante ao que acontece com as migrações e as diferentes leituras que as pessoas têm sobre o fenómeno. Acolher não significa abdicar, pode inclusivamente gerar oportunidades. Acho que o medo, muitas das vezes tem a ver com fraquezas na confiança e pouca noção da identidade colectiva. É normalmente, porque se tem medo que quem chegue faça prevalecer as suas ideias e valores aos de quem cá está. Mas uma comunidade com uma grande noção da sua identidade pode retirar bom proveito da chegada de gente ao seu espaço – são mais membros e são mais agentes para o seu propósito. Se os pilares dessa comunidade estiverem bem suportados, não haverá preocupações que estes sejam ameaçados por quem chega: afinal, a chegada nunca é uma posição de vantagem. É um falso dilema. Não é falso que ambas as perspectivas existem, mas é falso que tenhamos que optar por uma.

Podemos fazer algo por isso, e já. Cultivemos a noção da identidade. Reflictamos sobre o orgulho que é termos tanta coisa em comum e de pertencermos a um local, que por ser nosso, nos é tão especial. Pensemos no privilégio que é viver ao ritmo da vida, e não ao ritmo da cidade-máquina. Observemos que conseguimos estar alheados das insinuações consumistas de uma sociedade do capital, sem que isso signifique que não tenhamos acesso a tudo. A sério, a tudo. Mas aqui, a máquina do capital não exerce tanta força como nas grandes cidades, é que nós ainda vamos conseguindo escolher melhor o que nos é permitido consumir. E isto não é poder? São tudo motivos para nos enchermos de confiança perante quem chega da grande cidade. Satisfeitos, podemos abrir os braços e dizer, carinhosamente: “este é o meu lugar, é único, não é?”. Não temos que explicar mais nada, o mais certo é que o outro se sinta na posição privilegiada de ser acolhido desta forma e se junte a nós.

Até lá, e enquanto as pessoas voltam e não voltam das grandes cidades, preparemo-nos para tirar o melhor partido disso. Queremos que esse retorno seja uma “reconquista” do interior ou uma “redescoberta”?

Acho que haverá sempre quem se queixe porque havia de cá viver mais gente e ao mesmo tempo quem se incomode com a chegada de gente para se fixar. Quanto a esse dilema, a esses dois tipos de pessoas, querem saber o que acho? Esses dois, são a mesma pessoa. E antes de os apontar, temos acima de tudo, que perceber se nós também somos – nem que parcialmente – essa pessoa, e depois mudar.

Autor

Metade músico, metade produtor, metade apaixonado por viagens, metade inquieto profissional.