Roda – Oleiros (Foto de António Manuel M. Silva)
Os nossos ancestrais sempre souberam criar os próprios apetrechos utilizando os recursos naturais disponíveis no meio que os rodeava.
Nos finais do século XIX e princípio do século XX não havia casa de nenhum lavrador em Oleiros que não possuísse um sítio para colocar um caniço ou uma caniçada, grupo de caniços, para secar o número abundante de castanhas dos soutos existentes no nosso concelho. O seu peso institucional releva no brasão ou heráldica das armas de Oleiros, composto por um ramo de três ouriços de castanheiro de ouro, abertos de vermelho e folhados e troncados de verde.
Ainda me memoro de ver os caniços nas cozinhas da Corgalta e da nossa casa velha do Largo do Hospital.
Ligado ao tema recordo-me, em miúdo, nos anos sessenta, nos primeiros meses do ano, de serem distribuídas castanhas piladas aquando da celebração de São Sebastião, capela junto da escola primária. Era uma festa para a criançada!
O caniço era um travejamento de madeira (ripas) usualmente de castanho ou pinho. Tinha entre ripas um intervalo de cerca de 1 cm onde eram espalhadas as castanhas verdes. Tal intervalo permitia que o calor subisse em ascenso e penetrasse no fruto que demoradamente ia secando com a perda de água. O mesmo fruto devia ser, frequentemente, revolvido.
Colocado sobre a lareira era alimentado, preferencialmente, por um lume de torga, com o fim de secar as castanhas e de preservar os ricos frutos evitando que fossem assaltados pela lagarta e inúteis para consumo humano.
Muitas vezes, na casa dos meus antepassados, entre o lume de torga e o caniço era colocado o fumeiro para as belas chouriças. Secava o fumeiro, as castanhas e aquecia-se a casa.
Depois de secas seriam utilizadas na alimentação do dia-a-dia, mormente na sopa, muitas vezes o único alimento …“O castanheiro era, e é ainda (PIMENTEL, 1881), a árvore abençoada de OLEIROS, que sustenta aqueles povos metade do ano. A castanha, fruta saborosa, nutritiva, que não carece de tempero algum, e se prepara de diferentes modos, é o sustento quase geral dos habitantes da Vila, e Concelho de OLEIROS, desde o princípio de novembro até maio … Até janeiro, faz-se uso da castanha verde, assada, cozida, e até sem preparo algum. A castanha seca, se consome todo o ano…”.
O termo castanha pilada é já referenciado em 1840: “por insinuação nossa, pediu a Câmara autorização para serem criadas em OLEIROS duas feiras anuais, uma a 25 de março, e outra no 1.º de novembro, com o fim de venderem os lavradores na primeira a sua castanha pilada, e na segunda o seu milho” (PIMENTEL,1881).
Os homens que removiam as castanhas nos caniços eram conhecidos por “rosas dos caniços” por lá saírem negros como breu da fuligem, em razão dos resíduos do fumo acumulados na casca.
Quando as castanhas estivessem perfeitamente secas, na época própria, fim de dezembro, então partia-se para um processo de descasca do fruto a que se chamava pilar e esquivar.
Pilar as castanhas consistia em as deslocalizar do caniço para cestas próprias de madeira e depois de ferro, onde os homens, sobre bicos de pés, se bamboleavam, ora para a direita ora para a esquerda, tirando-lhe o máximo de casca possível.
Esquivar consistia em levantar e abanar os cestos depois da pilação para que a moinha caísse dos cestos.
À esquivação seguia-se nova depilação, à pilação nova esquivação e assim sucessivamente, até as castanhas estarem livres de cascas e a final o fruto livre de qualquer revestimento e limpo. Este método era feito muitas vezes à noite para aproveitar as horas de sol a sol no trabalho do campo.
A castanha depois de pilada, costumava quebrar duas partes da sua medida em verde. Posteriormente, devidamente limpas as castanhas secas e bem duras eram guardadas em arcas de madeira.
Das castanhas secas faziam-se caldudo, caldo de castanhas com leite e com elas se alimentavam os nossos antepassados boa parte do ano.
Recordo, da minha juventude, que podiam ser comidas cozidas com salada de almeirão ou aquecidas em cima da chapa do fogão a lenha, assim ficavam macias e bem deliciosas, um pitéu que recordo com nostalgia.
Os estabelecimentos locais estão a perder fulgor com o apogeu das superfícies comerciais que passaram a oferecer uma desmedida variedade de produtos, mas todos nós, e os nossos ascendentes, conservam afeto àquelas lojas que perpetuaram e perpetuam a venda dos recursos endógenos onde se incluem a castanha verde e pilada.