Ouça esta crónica, narrada pela autora.
Talvez a grande diferença entre a minha geração e a dos meus filhos, em termos educativos seja a de que quando eramos jovens, nós, no nosso quarto estávamos seguros: lembro-me quando ia de férias, mesmo no início da adolescência e a minha avó não nos deixava sair durante as horas do calor, lá íamos para o nosso quarto, sabíamos que era uma espécie de digestão antes do mergulho, havia tédio, havia conflitos, afinal no meu caso eu e o meu irmão partilhávamos o quarto nas férias, e claro que os três anos que temos de diferença, faziam de mim enorme e sabichona e dele um miúdo! Por isso enquanto esperávamos que o calor passasse, para podermos ir brincar na rua com os nossos amigos, ou liamos, ou ouvíamos música, ou fazíamos desenhos, ou guerras de almofadas. A minha avó sabia-nos seguros, ali, no andar de cima. Hoje, um adolescente no seu quarto, pode muito bem assemelhar-se ao coelho no buraco_ d´”Alice no País das Maravilhas”, pode ser um vórtice e uma espiral para um mundo que ninguém conhece.
Pedi ao Chat GPT que criasse uma imagem que contivesse: “o Quarto em Arles” de Van Gogh, o vórtice da “Alice no País das Maravilhas” e um adolescente com um smartphone,
A minha crónica, ficou facilitada por vir na sequência da última crónica, da Patrícia Rijo, não combinamos, mas podíamos, é que as últimas semanas, a propósito da séria Adolescência, muito se tem falado e discutido sobre este tema, e lanço aqui algumas perguntas:
– Que é feito da autoridade (que é muito diferente do autoritarismo) dos pais?
– Que é feito de ideias como: Não fales com estranhos! Ou Não, não podes andar sozinho(a) na rua!
– Que é feito de conceitos como os Pais conhecerem os amigos dos filhos, pelo menos na primeira década da sua vida? Ou das influências das crianças serem escolhidas pelos Pais?
– Que é feito de a autonomia das crianças ser conquistada passo a passo, com a responsabilidade que vão demostrando e adquirindo?
Uma criança, ou um adolescente com um smartphone, um computador, um tablet, e acesso à internet, é todo um mundo de possibilidades, vou já aqui afastar a demonização das tecnologias, que para mim não é disso que se trata, nem tão pouco sou a favor da proibição da utilização das tecnologias em contexto escolar, eventualmente poderemos discutir essa utilização antes do segundo ciclo, e de forma autónoma, sem acompanhamento dos professores, ou se quisermos ser mais sensatos, perguntar o porquê de uma criança nessa idade (até aos onze, doze anos) ter à sua disposição um aparelho desse tipo, mas aqui vão levantar-se as vozes ocupadas dos pais, que precisam de se sentir “falsamente em controlo” da vida dos seus filhos: “Ah dá imenso jeito para saber onde é que eles andam!” a sério? A questão não será tanto o instrumento, mas antes a sua utilização. E aqui já descascamos a primeira camada da cebola, que faz chorar, e já muitos preferem comprá-la congelada e despejá-la diretamente no tacho, saltando essa etapa, por ser desconfortável. Mas também, ainda muito antes destes onze, doze anos, às vezes mesmo sem saberem falar, muitos são os pais que disponibilizam os seus próprios smartphones aos filhos numa troca proveitosa de alguns momentos de silencio que possibilita aos pais terem uma refeição num restaurante, por exemplo, não critico, com a generalização da televisão em casa sala de estar de cada casa, passou-se o mesmo, e os arautos de que a televisão não deveria educar os filhos dessas famílias, vociferaram de igual modo, e nem nós ficamos com as cabeças quadradas nem mundo acabou. As facas são perigosas e cortam, o que fazer, proíbe-se a sua utilização? Por isso volto a referir que a demonização destes aparelhos não me faz sentido algum, tenho muita dificuldade na proibição pura e simples, mas vou mais longe, até porque lhes reconheço muitas virtudes: acesso à informação (boa e educativa), mais uma possibilidade de comunicação, não a única, possibilidade de autonomia, etc.
Claro que qualquer um dos argumentos acima, tem como as moedas: duas faces, uma mais virtuosa que a outra. Falta-nos talvez trazer para esta equação um dos maiores recursos educativos, que não virá nos manuais pedagógicos, pasmem-se: BOM SENSO!
O Professor Daniel Sampaio refere que “- A adolescência se ganha na infância”. Vai mais longe e refere que dos 0 aos 3 anos se adquirem muitos dos mecanismos de autorregulação, que permitem à criança, durante o seu processo de crescimento perceber e aceitar pequenos momentos de frustração, etc. Volto às facas, por serem perigosas, talvez devamos proteger as nossas crianças até que a motricidade fina esteja adquirida, de seguida ensinamos que se as utilizarem mal se irão cortar, e seguidamente talvez possam utilizá-las connosco ali ao lado, dando pequenas indicações, sobre como segurar, onde pousar, etc.
Depois, bom, depois derivado do tal Bom Senso, talvez possamos questionar-nos: com que idade podem para a rua, sem um adulto por perto, sem dar a mão para atravessar uma estrada, ou mesmo sem dizerem para onde vão, ou sem nós sabermos onde estão. E talvez destas pistas possam sair respostas válidas para a utilização da internet, sem um adulto por perto, quando digo por perto, é em conjunto, a supervisionar a tarefa, a acompanhar, a desmontar e conversar sobre o que se está a fazer, não conta como adulto por perto um pai/uma mãe/um professor na mesma sala, isso é apenas uma coincidência espacial, não é uma escuta atenta e dedicada, é outra coisa.
No meu caso, julgo que devemos afastar-nos da barricada ESCOLA versus CASA, ideias como os valores aprendem-se em casa e na escola aprendem-se as matérias não fazem qualquer sentido, aprende-se sempre, em todo o lado, e a escola é também, a meu ver um local onde se aprendem valores, nos recreios há um enorme potencial de aprendizagem completamente desaproveitado, como em casa existe o mesmo potencial de desaproveitamento para sedimentar conteúdos académicos. Com pais exaustos, com profissões intelectualmente muito exigentes, e professores derreados com tarefas administrativas, o erro é medirmos forças, e se experimentássemos remar para o mesmo lado?
Se nos desumanizamos, perdemos todos! Sei que a educação é hoje mais complexa que foi antes, que os perigos são outros, que há pais menos preparados, que há crianças mais desafiantes, que o contexto é mais intrincado, mas se nos desligamos uns dos outros, será uma caminhada para um outro lugar, onde não iremos reconhecer nem os valores nem os princípios. Sei também que crescer com uma pandemia que durou dois anos, e nos trouxe a todos, ou quase todos, para dentro de casa, interrompendo processos importantes de socialização, foi duro, sobretudo para as crianças e jovens. Talvez tenhamos falado muito sobre isso, mas com os arco iris e o Vai Ficar Tudo Bem, falamos muito, mas talvez tenhamos feito pouco.
Depois, mais um ponto para refletirmos: há mais vida para além da escola, e das tecnologias, vida muito significativa: quer nas atividades desportivas, artísticas, sociais e culturais, propormos aos nossos miúdos que façam desporto, que aprendam musica, que se envolvam nas atividades locais, nos projetos culturais pode dar-lhes mais um propósito, uma outra possibilidade do concreto e do que é real, vendo e agindo coletivamente, podendo aqui influenciar e ser influenciado por pessoas com ideias, com atitudes que fazem a diferença.
A atenção que devemos dedicar à propagação de ideias misóginas, racistas e incitadoras de ódio, explicar-lhes que é crime, que não podemos ser cúmplices destas ideias e menos ainda destes comportamentos. Se estiverem sozinhos, não vão entendê-los, precisam de um adulto por perto que lhes dê pistas sobre o que está certo e o que está errado.
Vou juntar aqui outra frase brilhante do Professor Daniel Sampaio: “- Só teremos mudança, se nos envolvermos com as pessoas mais novas!” Se me pedissem para sintetizar o processo de aprendizagem, e de crescimento andaria muito perto desta frase, sem qualquer credencial em matéria pedagógica, apenas com o empirismo, diria que precisamos de ter laços vinculados com os nossos jovens, precisamos nós, e precisam eles, de vínculo afetivo!
Como escrevo na época festiva e pascal, encontro aqui uma relação com o renascimento e a ressurreição da humanidade, na qual sou uma fervorosa crente. Para que o Antes não seja o melhor do mundo, mas o Aqui e Agora possam preparar melhor o Depois.
Sugestão:
RTP play:
Os Perigos da Adolescência no Nosso Tempo | Ep. 11 01 abr. 2025