Geral

Aprende-se sempre!

Oleiros é mais do que ribeira, mergulhos, amigos, festas, farras e família

Tenho a sorte e o privilégio de ter a minha avó viva, com um discernimento e uma presença de espirito de me fazer inveja a mim (refiro-me apenas à cronologia), a terra rodou à volta do Sol dela noventa e seis vezes, tem uma clarividência única e diz coisas que são proféticas.

Quando digo que tenho sorte, não é apenas por mim, é pelos meus filhos, que têm o prazer de disfrutar da sua presença, de a escutar, de a ouvir contar as suas vivências muitas delas doridas, difíceis, quase inultrapassáveis, que muitas vezes lhe vêm sobre a forma de lamúria ou queixume, para logo a seguir sentir que o interlocutor se perde no seu fado, e rematar então: – Nunca pensem que não são capazes, são sempre! – Tudo se aprende e aprende-se sempre! 

Há um ditado de que gosto muito, que diz no essencial qualquer coisa como: O Mestre chega quando o Aprendiz está pronto! Entendo este ditado como a predisposição para aprender, explico-me melhor: o pendor da acção “aprender” está muito mais no aprendiz do que no mestre, não se aprende sempre que alguém nos quer ensinar, aprende-se quando temos essa predisposição, se concordarem ficam fora desta reflexão as aprendizagens baseadas no medo ou na repreensão, porque logo depois divago para outras reflexões caleidoscópicas, cheias de raios de luz, e penso que muitos dos momentos de aprendizagem ao longo da minha vida não ocorreram necessariamente em contextos formais, ocorreram sempre que alguém me expôs, ou já eu própria me expus a muitas situações diversas. 

Talvez eu tenha uma predisposição para ligar pontos, calma que ainda não é uma referência ao tricot, ou aos bordados…a Anabela Bento escreveu ontem uma crónica sobre o comércio local por contraposição ao comércio massivo e em grandes superfícies e sobre o primeiro deu como exemplo a “loja do avó Nuno” em Oleiros, (não me vou explicar muito à cerca desta referência, mas era assim porque os meus amigos Sandra e Nelson, que são seus netos, assim se referiam, e eu por osmose carinhosa, referia-me nos mesmos termos e sim o verbo ser, aplicado aos netos, foi utilizado propositadamente no presente porque apesar da morte, é-se neto para sempre), e logo na leitura da crónica de ontem fui abdutada para ali, para o balcão onde passávamos as horas de maior calor, que permitiam ao “avó Nuno” descansar após o almoço, e ali estávamos a aviar os fregueses, poucos que por aquelas horas de calor quase ninguém ajuizado saía a rua, e isso dava-nos muitas possibilidades de aprendizagem, era o Livro da Contabilidade, dividido por duas colunas DeveHaver escrito a caligrafia esmerada, voltei aqui nas Aulas de Contabilidade do 9º ano. Tal como voltei à Devesa, nas aulas de Biologia, ao talho/matadouro do Tio Ângelo, quando as páginas dos livros mostravam os interiores dos animais, eu sabia que já os tinha visto, ali, esventrados, com o sangue que escorria por uma vala feita para esse propósito que roçava a porta de madeira azul esverdeada, ou seria verde azulada?! descascada por baixo. Ou ao Zé do Café, onde a minhas primas Lena e Fernanda faziam os trocos, nas aulas de Matemática quando os problemas começavam assim: “O menino João foi comprar pastilhas…”, voltei também à loja do Sr. Salgueiro e aos seus relógios de mecanismos obscenamente escaqueirados, mas que ele afinava na perfeição, quando vi pela primeira vez um circuito de Electrotecnia: – Olá Professor Carlos!

Ou agora, mais recentemente, quando recebi um postal de boas festas com uma pequena nota de agradecimento dos Bombeiros Voluntários de Oleiros, após uma colaboração que fizemos eu e os miúdos cá de casa, num dos últimos grandes incêndios. Na resposta ao postal, agradeci-lhes a possibilidade de aprendizagem que tivemos naquela altura, do trabalho colaborativo, do bem-comum. É que tenho gratidão pela dádiva. Quando alguém se predispõe a dar-te, a entregar-te, não é de materialidade que escrevo aqui, isso é uma dádiva, eu sinto-me e respondo com gratidão e aos Mestres com uma vénia!

Aprende-se sempre, mesmo nos contextos menos formais, haja predisposição.

Aprendi também ali em Oleiros a agradecer com: – Bem haja!

Autor

É inquieta, gosta de azuis, de estórias, de sons, de lugares, de pessoas com o coração no sítio certo, de ir e de regressar, de olhares e de afetos.