Geral

Eu influencio, tu vês, ele faz lives e convida menores, nós calamos, vocês riem, eles continuam

A cada semana que passa, temos a infeliz oportunidade de conhecer mais um influencer.
Influenciador digital em português, portanto uma pessoa que pelo diz e faz consegue influenciar outros.
Eu que cresci sem internet sequer, tudo isto me fascina e assusta ao mesmo tempo.
Os meus influencers aquando adolescente, eram os putos populares do liceu, era quem usava uma peça de roupa que eu gostava, ou alguém que ia a sítios onde eu também queria ir – A coisa vai dar ao mesmo, mas agora em vez de pessoas com quem eu me cruzava diariamente, são as pessoas que passam pelo feed.
Aqui a Rijo, por ter opiniões e não ser facilmente influenciável, desconfia sempre.
Não tenho tik tok, acabei com o Twitter quando o amigo Musk decidiu comprar a página e sigo amigos ou pessoas que de algum modo eu admiro ou me divertem.
Presumo que com o restante mundo seja igual.

Já estou bem longe da adolescência, por isso não preciso da aprovação de ninguém e muito menos preciso de sentir que pertenço a algo. Esse é um chão que já deu uvas. Agora quero é que me deixem em paz, sossegada e quanto menos pessoas tiver à minha volta melhor.

Depois de ver a serie “Adolescência” percebi que há muito que me escapa. Para além dos problemas com que eu me deparei quando passei por essa altura, agora tudo se complica pois para acrescentar à pressão da vida do dia a dia, os adolescentes agora têm de se confrontar com as pressões das redes sociais.
O FOMO (fear of missing out) constante que a meu ver define a adolescência; essa necessidade de ir, de ter, de ser, que dói como punhais quando não vamos, temos ou somos. Essa dor constante de não pertencer, de não fazer parte, o medo da rejeição do grupo torna a pessoa ansiosa, deprimida e sem qualquer autoconfiança. Isto era o que me acontecia, mas agora soma-se o facto de também nas redes sociais essa necessidade existir. Também lá é preciso aprovação, é preciso fazer parte do todo que aceita e abraça. Há duas vidas que precisam de aprovação, a do dia a dia fora da internet e a que existe online.

A serie “Adolescência” não trouxe respostas, trouxe apenas a necessidade de prestar mais atenção. Como ouvi alguém dizer, quando eu era adolescente e me fechava dentro do quarto, os meus pais sabiam que eu estava segura. Agora não, há todo um mundo digital que pode estar a maltratar e a matar aos poucos o adolescente que aparentemente está sozinho no quarto. Tudo isto é muito assustador.
Eu sou professora e vejo diariamente a crueldade com que os miúdos se tratam entre eles, mas lido com crianças e pouco sei do mundo da adolescência, por isso a serie da Netflix e os ditos influencers que vou apanhando no meu “feed” me deixam de queixo caído.


Três miúdos entre os 17 e os 19 anos violam uma colega de 16 anos, seguidora dos mesmos, gravam um vídeo sobre isso, partilham o mesmo e ainda se gabam. Diz que são todos influencers. Um deles aparece dias depois a gozar com a situação num vídeo de outro influencer amigo dele e chega ao cúmulo de dizer que apenas se arrepende do facto dela não ter conseguido andar depois daquilo e ainda acrescenta que gostava de repetir, mas desta vez preferia que ela conseguisse andar no fim. Ora, estes miúdos foram presentes a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, tendo sido colocados em liberdade, ficando sujeitos às medidas e coação de apresentações periódicas semanais e proibição de contactos como vítima. Mas não foram proibidos me mexer em redes sociais e mais nada lhes vai acontecer. Violação – gravação da mesma – Partilha em redes sociais – e ainda se gabam no fim e o que lhes acontece? Nada. 32 mil visualizações e nenhuma denuncia. Visualizações, partilhas, riso e uma miúda violada. Foi o hospital onde ela teve de ser tratada que fez a denúncia.


Depois houve outro dito Infuencer que num Podcast se gabou de atropelar uma senhora e fugir e que quando foi apanhado fugiu para Angola. Tadinho, diz que foi perseguido…. Enfim.


Na sequência dos 4 violadores, vi um vídeo de outro youtuber famoso que nas suas “lives”, atrai miúdas para fazerem sexo com ele e não tem qualquer problema quando elas lhe dizem que têm 12 anos. Chama-lhes peixinhos… Acha-se um tubarão. Enfim. Na semana passada outro tipo com muitos seguidores fez um vídeo a dizer que uma mulher que namora, não pode sair à noite. E é isto.

Agora pergunto: a malta gosta de seguir estas pessoas porquê? Guilty pleasure? Para rir? Gostam de ouvir alguém a dizer estas coisas porque concordam com o que é dito? Mistério. Se por um lado, aos poucos, os preconceitos foram saindo debaixo das pedras e tomaram conta do mundo, por outro estes influencers de trazer por casa fazem o que querem, os seguidores aplaudem e a impunidade impera.

Se algo aprendi com a serie “Adolescecencia” é que nada aqui é simples ou a preto e branco, mas é obrigatório parar e olhar à nossa volta. Estar atentos, denunciar e não dar palaco a idiotas já seria um bom principio.

Autor

Tradutora por habilitação, professora por profissão, viajante e curiosa pelo mundo por opção.