A toponímia deve ter origem na serra do mesmo nome, Alvelos ou Vermelha, que se localiza a poente da vila e cujas vertentes abraçam o Zêzere. Muitas vezes é confundida com a Serra Cabeço da Rainha/Lontreira.
A procedência poderá não ser alheia à naturalidade do seu proprietário, o Sr. António, que nasceu na povoação de Sabugal, localizada entre as aldeias da Cava e Vale Mós, mesmo no coração desta serra.
O petiz António foi descoberto, aquando do duro trabalho de madeireiro, pelo Sr. Júlio da serração, (Júlio Vicente Marques da Silva) que teve, outrossim, uma agência funerária. Aconselhado por este, veio a estabelecer comércio perene no centro da vila.
Certo que era ali que estava o núcleo essencial comercial e político do concelho: as casas da câmara e da prisão; as finanças; a tesouraria da fazenda pública; o cartório notarial; a farmácia de Horácio Garcia Guerra com venda de jornais (Diário de Noticias, O Século, Mundo Desportivo, Primeiro de Janeiro e Vida Rural); a praça de táxis tendo alvará os Srs.: João Afonso, João Alves das Neves e João Antunes Boaventura; o comércio das lojas do Srs. António Antunes Barata e Manuel Rodrigues David, este último com bomba de gasolina. Bem perto ficava, ainda, a casa do Sr. Regedor, Arsénio Ferreira de Matos e a alfaiataria do Sr. José Luís. Era um local quimérico onde outrora se encontrou o pelourinho, tendo o posto da GNR como pano de fundo e a Igreja como testemunha, ali nascia a sua obra e um café de referência da vila.
E logo no centro nevrálgico e cruzamento de movimentação das populações, sítio de convivência mercantil e de cultura. Memoro que era ali, nos anos 70, que chegava a Biblioteca itinerante da Gulbenkian!
Antes do enlace matrimonial teve como empregado o Sr. Edmundo, filho do Sr. João da Rita. Mas o jovem Tó olvidava, recorrentemente, o negócio em beneficio da juventude e da farra.
Casou em 1960 com Maria Afonso, amor que conheceu, na Lameirinha, lugar situado lá no alto da estrada nacional 112, a caminho de Castelo Branco, aquando era bombeiro voluntário.
Deste casamento nasceu um rebento, a minha querida amiga Ercília.
A D. Maria Afonso era uma mulher empreendedora. Seu pai tinha uma taverna onde servia os mais variados petiscos, com predominância para o belo “prego” que era um regalo para os mais gulosos. E logo se apaixonou pela febra e pela beleza! Esposou idos 6 meses!
Entrementes foi bombeiro voluntário e cobrador da água e de luz por todo o concelho. Mas a trave mestra do negócio era a D. Maria Afonso. Esta aqui criou raízes e cedo capitulou à promessa de um nome: Oleiros!
Nome que tão bem soube honrar. A ela se deve, igualmente, a fama do cabrito estonado oleirense por estas terras de Portugal!
Todos os atos comerciais, por mais pequenos que fossem, todas as ideias que ali nasciam, eram vontade e determinação daquela mulher decidida e de armas.
O letreiro em letras garrafais informava “Café Alvelos” aqui bem retratado nesta fotografia histórica com a Ana Maria Ventura, filha do Prof. Francisco Alves de Matos (então delegado escolar) e da Profª. Gracinda Romão Alves de Matos.
A atividade comercial do Sr. António desenvolveu-se desde os finais dos anos cinquenta até 1976. Nessa data cedeu a posição contratual do café Alvelos ao saudoso Sr. Mateus.
Depois fundou na antiga garagem da Rodoviária, na Devesa, o restaurante “Verde Pinho” e, posteriormente, em 1992, o restaurante “O Prontinho”, que tão afamado foi pelo belo cabrito estonado, este último num 1.º andar de um novo edifício confinante com o anterior restaurante.
O Café Alvelos era um lugar de referência para os oleirenses, intelectuais e curiosos.
Ali tínhamos uma enorme sala de entrada, onde se deparava logo à entrada com uma televisão. O balcão estava no lado nascente todo ao comprido. Lá estava um antigo frasco de rebuçados e por baixo repousavam os deliciosos chocolates. Mesmo ao lado a máquina do café. Mais atrás uma cabine telefónica, em madeira, para as comunicações seguras entre oleirenses e o resto do mundo. Nas traseiras tinha uma cozinha e a sala de refeições. Na cave uma mesa de snooker. Era naquele café que apreciávamos, em miúdos, os desenhos animados do “super rato”. No final da banda desenhada “ala que se faz tarde” e lá regressávamos, a sete pés, até ao ninho maternal. Mais tarde, passámos a controverter a política nascida após o 25 de abril, a relatar as ocorrências locais e as do mundo. Nada como um café para se provocar um diálogo, dizer uma graçola, comentar uma novidade ou lançar um rumor. As cavaqueiras cruzavam gerações, acompanhadas pelo aroma do café, do garoto, do toddy, do galão, pela frescura da cerveja e pelo folhear dos jornais do tempo.
Lembro-me, nos finais dos anos da década de 60, de ali presenciar grandes acontecimentos do mundo transmitidos pela RTP. Recordo-me de ver: a chegada do homem à lua, as marchas populares de Santo António de Lisboa, aos festivais da canção, etc. Sempre acompanhado pelos meus saudosos pais e meus padrinhos, Ti Zé Perlegas e Maria do Carmo. Acontecimentos que eram uma bênção de vida e de conversa para a dura semana de laboro que começava na próxima 2.ª feira.
O café estava sempre a abarrotar, pois as mesas e cadeiras de ferro eram um convite aberto a todos e para todos. Na vila a posse de televisões públicas, era raridade.
Era o café onde se juntava a tertúlia dos Srs.: Professor Matos, Horácio da Farmácia e Padre Fernando Leitão. Estes, no verão, tinham a prerrogativa de trazerem uma mesa para a Praça da República e ali faziam a sua esplanada. A miudagem, ao passar, encostava-se à parede do lado oposto em sinal de respeito. Não viesse, do culto triunvirato, alguma admoestação oportuna por comportamentos menos dignos dos gaiatos daqueles tempos.
Este local que hoje descrevo para esta crónica, era, na verdade, um portal para um mundo de conceitos e afetos, uma pequena joia que contribuiu para o florescimento vivencial e cultural da nossa vila de Oleiros naquela época e naquele tempo.
Certo que numa idade em que as palavras fluíam sem pressa, os grupos eram vividos intensamente e o conhecimento era partilhado entre gotas de café, goles de vinho e de cerveja, com a mistura de folhas de papel de jornal.
Esta crónica é de saudade para recordar uma altura ou tempo em que os jovens, como eu, procuravam em silêncio aprender com os mais velhos e “embeber” deles o seu saber.
A café Alvelos foi um local de atos de comércio, mas para mim será sempre referenciado como um sítio relevante de confraternização, de exteriorização cultural, mas também de manifestação de património cultural imaterial da nossa terra.
Fontes para o artigo, compadre Augusto, filha Ercília e ANUARIO COMERCIAL DE PORTUGAL 3.ª Edição – Vol. III – Ano de 1963-64