Crónica Geral

“Um verso em branco à espera do futuro”

Prestes a fazer 44, deu-me vontade de voltar à infância.

Nasci em 1976.

Tenho poucas memórias de quando era pequena, mas recordo uma conversa com o meu avô paterno, o avô Abílio. Lembro-me de estarmos os dois sentados no banco de madeira que eles tinham na varanda. Sei que ele morreu pouco tempo depois.


Lembro-me de ter vários cães chamados Tarzan.


Lembro-me de ter uma adoração pelo meu pai. Andava sempre de mão dada a ele e até me lembro de ralhar com a minha prima que a dada altura morou connosco. Ela deu-lhe a mão e eu não gostei. Não tinha nada que dar a mão ao meu pai, que desse ao dela! Penso que esta parte tenha sido a filha única que há em mim a vir ao de cima, não sei, mas o pai era meu e era assim que eu queria que continuasse a ser.


A minha mãe conta-me que eu andava sempre a dar flores às pessoas. Cresci no campo e se me queriam ver feliz era deixar-me andar por ali a colher flores para depois as dar com muito carinho.


Beijos só os fazia às terças e quintas feiras. Se um familiar chegasse ao pé de mim num dia que não esses, azar! Mesmo que chegasse de França e após um ano inteiro sem me ver – Não havia beijos para ninguém! Não me lembro se à terça e quinta dava beijos a torto e a direito, vou ter de pedir ajuda à minha mãe para responder a isto, mas conhecendo-me, duvido muito…


Mal sabia eu, que anos mais tarde e por causa de uma pandemia nem à terça nem à quinta nem dia nenhum havia beijos para dar! Enfim.

Felizardos aqueles que cresceram perto dos avós e eu fui uma dessas. Guardo com muito carinho as casas dos meus avós, tanto os maternos quanto os paternos. A minha avó paterna ficou viúva cedo demais e era lá que eu passava muito do meu tempo. Havia uma mula e um buraco na parede para a mula poder beber água do tanque, pormenor que sempre adorei. Também me recordo do colchão de palha que ela tinha e que eu passava o tempo a pedir para lá dormir.


Na casa dos meus avós maternos, recordo a entrada com vigas de madeira com videiras penduradas. Pelo caminho ficava o palheiro e as galinhas e coelhos. Tudo isso me encantava e ainda me encanta. Recordo tudo com muito carinho.

Guardo cheiros, paisagens e imagens como se fotografias fossem.


Tanta coisa passou depois disso, mas adoro poder regressar lá. Adoro as minhas memórias e o facto de ter crescido assim.


Agora que venham os 44 e com eles novas memórias e versos em branco à espera do futuro, como cantou Carlos do Carmo em 1976, o ano em que eu nasci.


Autor

Tradutora por habilitação, professora por profissão, viajante e curiosa pelo mundo por opção.