Crónica

Viver e não aprender é cá connosco

Durante anos assistimos ao êxodo do interior, num país que não tem gordura geográfica, (em qualquer sítio onde estejamos, andamos cinquenta quilómetros em linha reta e vamos ter ao mar).
Se os recursos tivessem sido bem geridos, teríamos uma população geograficamente bem distribuída, com alguma incidência nos dois grandes centros urbanos, claro, mas nunca, com esta desproporção entre litoral e interior.

Na altura achámos, ou acharam que este era o caminho, o motor do desenvolvimento era, para grande parte das pessoas, as vias de acesso, e durante muitos anos, ouvi muitos Sertaginenses dizer que, com a conclusão daquela estrada, seria completamente diferente. Esquecendo-nos nós que as estradas têm dois sentidos, e nem sempre a estrada que leva é a estrada que traz.

Não digo que não fosse importante ter algumas vias de acesso ao interior do país, aquilo que digo, é que elas não poderiam ser vistas como fim, mas como meio. Se em vez de termos gasto todos esses recursos em verdadeira ostentação rodoviária, há pouco tempo eramos o segundo país do mundo, per capita, com melhores estradas, o primeiro eram os Emirados Árabes Unidos, que como todos sabemos tem reservas de petróleo parecidas com as nossas.

Portanto, desinvestimento na ferrovia para o interior, investimento forte, e quase exclusivo em estradas, num país que tem que importar todo o petróleo que consome. Decisões estas, grande parte delas tomadas por um primeiro ministro com grandes conhecimentos em economia…

Como se não bastasse, decidiu-se criar pórticos de pagamento nas antigas scut, que ironicamente ostentavam o acrónimo “sem custos para o utilizador”.

Mas, como o passado é um caminho único, e o futuro é uma rotunda com muitas bifurcações (tenho curiosidade em saber quantas existem em Portugal), tínhamos aqui, uma altura crucial para repensar todo o conceito.

A pandemia fez-nos refletir sobre inúmeras questões que, no nosso cotidiano não seriam relevantes. Elas de facto foram, ou pareceria que iriam ser, aos poucos fomos percebendo que existe uma urgência muito maior em regressar a um passado presente, do que aproveitar o presente para criar projetos que possam de facto ajudar a resolver grandes problemas que são mais pandémicos que a pandemia.

Com todo este dinheiro que Portugal vai receber, poderia haver projetos nestas áreas. Pessoas que trabalhavam em Lisboa e descobriram que não precisam de perder uma hora no trânsito citadino, e podem fazer o seu trabalho morando no interior. Reuniões que implicam as deslocações de dezenas de pessoas, que poderiam ser uma mera troca de mails.

No entanto, aquilo que me parece, é que estamos com uma urgência enorme de voltar aos erros do passado.

A criação de fundos para fixar pessoas no interior do país, é uma oportunidade única, do ponto de vista económico – com os fundos da união europeia, conjuntural – esta é a oportunidade para arrancar com um projeto que exige alguns recursos e vontade política, ecológica – a redução de tráfego nas cidades é premente, a redução de produção de CO2 no pára-arranca, o aumento da qualidade de vida, a diminuição dos incêndios (todos sabemos que uma das causas é a desertificação de uma parte do território. A promoção e criação de hortas que reduzem as doenças que lotam o nosso sistema nacional de saúde.
Regresso de alguns serviços a freguesias que tanto deles precisam, como postos da GNR, correios e Unidades de saúde, que os perderam por falta de povoação.

Poderia estar aqui horas a falar das vantagens de criar um projeto sustentável, pegando em cinco por cento (não fiz contas rigorosas, mas vos garanto que cinco por cento, ou seja, mais de dois mil milhões de euros em incentivos para viver no interior, bem geridos, transformavam por completo o interior do país).

O problema é que em Portugal, embora o passado seja um caminho único, como em qualquer outro país, o futuro muitas das vezes também, e infelizmente, é fácil perceber que esse dinheiro será usado para incentivos a que tudo volte à normalidade anormal do passado, aquele que, com sorte, não for desviado, pois há muitos futurologistas, incluindo alguns movimentos de transparência económica, que alertam para a possibilidade de uma parte dessa verba se esvair por canais ilícitos.

Aguardemos…

Autor

Gosta de tocar piano, ler e escrever. Nasceu na Sertã e mora actualmente em Gaia.