Créditos: Luis Mário Silva
O meu avô sempre me dizia que o meu coração era o meu mestre. Acredito nisso até hoje, como acredito em tudo o que me contava.
O meu avô fazia-me acreditar que tudo era possível e que eu era especial. O meu avô tinha sabedoria nos atos e nas palavras. Contava-me inúmeras histórias debaixo duma figueira ao lado de uma mina de água onde fumava o seu cigarrito, ou junto ao fogão, em longos serões de inverno.
Um dia o meu avô perguntou-me o que queria ser quando fosse grande, e eu não soube o que dizer. Queria ser muitas coisas. A vida haveria de ser ainda um mistério e o importante era que o fosse descobrindo.
Mas continuava a contar-me histórias, da sua juventude, do caminho que tinha que fazer para ir trabalhar na mina, da neve e dos animais com que se cruzava, de como a terra reluzia, às vezes, lá no fundo.
Eu achava que as Minas da Panasqueira eram repletas de cristais, pois o meu avô tinha um cristal de quartzo em cima da estante da sala, ao lado dos livros do meu tio, que dizia ter vindo de lá. O meu avô ensinava-me a sonhar, e as histórias dele, aliadas às do Júlio Verne que andava a ler (livro roubado temporariamente ao meu tio daquela estante), fizeram-me criar um mundo mágico das entranhas da terra. A terra, lá no fundo, tinha para mim uma força e beleza que não existiam noutro local. Criado no pensamento, este mundo tornava-se real se acreditasse nele. E eu já vos disse que acreditava…
Andei uns anos a pensar na pergunta do meu avô e talvez pela ideia romantizada das minas (pois a uma criança não se explica muitas vezes a dureza e crueza do mundo, e ainda bem!), e por querer estudar algo que aliasse a engenharia à natureza, na hora de escolher, tenha optado pelo curso de engenharia de minas.
Enquanto me contava histórias o meu avô tossia…muito…aliás em fase de imitações de criança pequena, a minha dele era a tossir. Eram resquícios de ter trabalhado na mina e ter silicose, que culminaram num cancro do pulmão que o levou demasiado cedo.
A primeira coisa que pedi, quando já herdeira do meu avô, foi aquele cristal de quartzo que estava na estante dos livros.
Hoje acredito que o meu avô me contava histórias verdadeiras e outras inventadas, que se misturavam numa amálgama de aventuras que criava, tão apetecíveis a uma criança.
Mas sempre que me sento debaixo daquela figueira, com a leve brisa que se mistura com a fresquidão da água, sinto-o a abraçar-me e sussurrar-me:
Ainda acreditas na força da terra?
E o teu coração, continua a ser o teu mestre?
P.S. Quero acrescentar-vos que estou, com o Tiago Pereira, a fazer um documentário audiovisual sobre as vivências na Mina da Panasqueira – “A mina é um ser vivo” – que tão importantes foram (e são) na região.
Acho que o meu avô vai gostar…






