Opinião

Fogo que arde e se vê bem demais

Em Agosto de 2003 um violento incêndio destruiu 70% da floresta do concelho de Oleiros, cerca de 500 km quadrados de área ardida na zona do pinhal.

Eu estava em casa. Por volta das 16h o céu ficou escuro como se fossem onze horas da noite. Uma chuva de fagulhas ainda a arder começou a cair e um som de fogo ensurdecedor começou a ouvir-se. No dia 18 de Setembro, vários incêndios vindos de 3 concelhos diferentes (Fundão, Pampilhosa e Proença-a-Nova) juntaram-se para destruir o meu concelho. O meu cérebro fez-me o favor de apagar a maior parte do horror que vivi naquele dia, mas ainda me lembro de olhar para as serras que rodeiam Oleiros e em todas elas se viam chamas a vir na minha direcção. Se existe um inferno, eu imagino-o assim.

Foi o pior dia da minha vida e provavelmente da vida de todos os oleirenses. 17 anos se passaram e quando olhamos hoje à nossa volta, nada mudou – vejo pinheiros, eucaliptos e matas por limpar. Tivemos a oportunidade de começar do zero – reflorestar de forma planeada e consciente; devolver ao solo as suas árvores autóctones: o carvalho, o sobreiro, os castanheiros, as azinheiras – mas não. Onde não foram plantados pinheiros ou eucaliptos novamente, a mata cresceu por sua vontade, sem limpeza ou ordenação. Os terrenos foram abandonados por razões várias e hoje se um incêndio voltasse, provavelmente iria arder tanto ou de pior forma do que em 2003 e por isso escrevi algures que a culpa dos incêndios florestais é de todos nós.

Mas a culpa não é só dos privados, longe disso. Governos vários acabaram com guarda-rios, guardas florestais, criaram leis de liberalização do eucalipto, deram sempre prioridade ao combate em vez da prevenção… Como consequência, hoje, não há ordenamento, limpeza ou vigilância das matas.

Em Oleiros morreram duas pessoas, em Pedrógão foram 66 e as culpas caem sempre nos mesmos – o mexilhão, ou seja os bombeiros. É sempre assim. É mais fácil não é?

Pois, mas eles não chegam para tudo e quem sabe como um incêndio é imprevisível sabe como é possível o fogo chegar antes da ajuda. O próprio incêndio cria ventos intensos, várias frentes dão azo a remoinhos de vento e chamas que mudam de direcção de um segundo para o outro.

Relativamente ao dinheiro que os bombeiros ganham, apenas os que fazem parte dos Grupos de Primeira Intervenção ganham dinheiro e muito pouco. Os restantes são voluntários que defendem os vossos terrenos e as vossas vidas a troco de nada. E por serem voluntários não quer dizer que não sabem o que andam a fazer, todos eles receberam formação e instrução antes de poderem ir para a frente do fogo.

O incêndio de Pedrógão Grande foi o mais mortal de sempre no nosso país e ninguém fica indiferente quando pensa no que as pessoas que estavam dentro daqueles carros na estrada da morte passaram, por isso quando falo de Oleiros para chegar a Pedrógão é apenas porque gostava que daqui a alguns anos as coisas mudassem realmente. 

Vem lá a época de incêndios novamente. Altura de começar a pensar no que pode vir aí e prevenir-nos.

Por favor.

Foto: Adriano Miranda

Autor

Tradutora por habilitação, professora por profissão, viajante e curiosa pelo mundo por opção.