Outrora só servido a pé ou a cavalo, depois por diligência, posteriormente por camioneta da Viação de Cernache e pelos Claras, para chegar à minha terra natal era uma carga de trabalhos.
Ausente em corpo – como muitos outros que partiram em busca de sonhos – não parti em espírito. Ali estão as minhas raízes. Aí aprendi que no campo a vida está conexa com as estações do ano, com a apanha da azeitona, com a colheita vindima, com a colheita do milho. O tempo das refeições também é outro tempo. Desde o mato-bicho, ao dejum, ao almoço, à merenda, ao jantar e à ceia, nada é como na cidade, são ritos ancestrais que me assaltam a memória bem como os cheiros e os sabores, recorrentemente, são reminiscências que afloram à minha quimera de sonho.
A troca de dias de trabalho, a partilha das levadas de água, a solidariedade, a humanidade o altruísmo perene daquelas gentes atou-me o afeto à cousa rural e ao berço.
A importância da tradição na vida do cotidiano, das artes tradicionais, o saber fazer em partilha, a religiosidade, foram um período de preparação do advir e do cidadão. Foi um tempo de aquisição de conhecimento e de aprontar o gaiato para um novo mundo de janelas abertas, soubesse ele voar!
De Oleiros guardo, portanto, todo um mundo de amizades, de tradições, de histórias e de memórias, um ido ainda vivente e latejante quer nas suas ruas, nas pedras, nas capelas, nas ribeiras, nas tavernas, nas adegas, nas pontes e nos lugares do termo, quer, também, no desuso de muito verbo.
Hoje, fui ao arquivo repristinar algumas palavras de antanho e outras que se perpetuaram no tempo.
Como ainda há muita gente viva importa resgatar, e acrescentar, a quem nos quiser apoiar.
Abada: boa quantidade de algo
Abalar: ir
Abananado: atordoado, aturdido
Abécula: trapalhão, tolo
Abotoar-se: ficar com algo indevidamente
Abrunho: tolo ou levar um murro
Acanhado: tímido, envergonhado
Acartar: acarretar
Acoutar: proteger da chuva
Afanar: desviar, roubar
Afinfar: agredir
Agouro: presságio, vaticínio
Agúdia: formiga com asas que servia de isco para a passarada
Alambazado: ambicioso, que comia muito
Alemiar: iluminar
Alqueve: terras de sequeiro, ordinária
Andor: ordem para retirar, ir embora
Apoquentado: arreliado
Arreganhar: arrepiar-se, tremer de frio
Arremedar: imitar
Arrochada: pancada
Artolas: que vive de estratagemas
Atrongalhado: mal vestido
Aventar: lançar fora
Badagaio: morrer
Bajanca: terrenos com erva
Banqueta: terras acumuladas em muro de suporte construído em terreno inclinado
Bardo: lugar para recolher animais
Baraça: cordel, guita.
Bedelho: meter-se na conversa
Benzedura: reza para tratar enfermidades que eram acompanhadas com o ato de benzer
Bezana: bebedeira, cadela, carrada, carraspana, carroça, não está católico, floxéria, piela, gazupa, narsa, pifo
Bonda: Pára (chega de azeite, não coloques mais)
Borrega: bolha de água na mão ou no pé.
Botareo: Socalco de terreno formado à custa de muro de suporte
Bouça: terreno apto para a cultura do linho
Brejo: terreno improdutivoe coberto de mato
Briol: frio
Cabeço: elevações inferiores à serra
Cachaporra: bater em alguém com algo
Cacho: o mesmo que uva
Cachopo: rapaz
Cagaçal: barulho
Cagufa: medo
Calçada: pequenas paredes ou suportes construídos para segurar a terra nas barrocas e junto das árvores em terrenos com declive
Calhandra: cobra
Calhandreira: que divulga sem guardar segredo
Calhordas: carro dos bombeiros mui antigo
Carcanhol: dinheiro
Carqueja: planta que depois de seca servia para chamuscar o porco
Cascalho: trocos, moedas de pequeno valor
Cascos de rolha: longe
Cavada: Terreno em que o mato foi cortado e queimado e a terra seguidamente, cavada
Celada ou colada — quebrada ou depressão no alto das serras
Celha: copo em vidro de 250 cl de vinho
Chambaril: haste de pau que se atravessa nas pernas de um porco morto, quando se pendura para se abrir e amanhar
Chãs: terras baixa, fundas e frescas que davam milho
Chãos: terras baixas que davam erva e milho
Cavadas: terrenos em que o mato era cortado e queimado e a terra, seguidamente, cavada
Celada ou colada: quebrada ou depressão no alto das serras
Chanato: calçado velho
Cheta: dinheiro
Cobrão ou zona: doença ou lesão na pele que podia provocar a morte
Copofonia: borga, boémia, bebedeira, enfrascado
Conduto: algo para acompanhar o pão durante uma refeição ligeira (azeitonas, chouriça, queijo)
Corda: conjunto de famílias que na hora da morte asseguram as refeições aos íntimos dos defuntos
Courela: terrenos com mato, com oliveiras, mais compridos do que largos
Couto: Grande extensão de terreno a abranger mato, arvore do olival etc…
Culhambanas: mal-arranjado, mal vestido
Defumação: retirar o mau olhado ou a inveja
Desenjuar: pequeno-almoço
Desenrascar: descomplicar
Desalmado: ruim ou maldoso
Desalvorar: debandar, fugir, escapar
Descamisada: retirar as camisas do milho, desfolhada
Eito: de forma sistemática e organizada
Empa: pau ou cana por onde feijoeiro pode subir
Encafuado: encoberto, escondido
Encertar: partir o pão, o queijo,o melão
Enchouriçado: amuado, zangado
Endrominar: enganar, intrujar
Engadanhado: com as mãos enregeladas, atrapalhado
Engonhar: perder tempo
Entertinho: véus das tripas
Entrunfado: ressentido, zangado, magoado
“És fino como a seda”: és esperto, sagaz ou astucioso
Enxógar: passar por água
Enxovia: aparência nojenta
Enxurdeiro: zona alagada onde o gado pastava
Esbarrondar: deitar abaixo, desmoronar
Esbardalhar: cair, desmanchar
Escabeche: zaragata, desordem ou molho envinagrado para conservar as sardinhas
Escapulir: fugir, ausentar
Escaqueirado: cansado, partido, escavacado
Escarafunchar: remexer, esgravatar, esgadanhar
Esganado: com fome
Especado: quieto
Espertina: sem sono
Estabordar: transbordar, entornar
Estafermo: com maus instintos, que causa sarilhos
Estornicado: queimado
Estroina: gastador
Falcatrua: engano, vigarice
Farpela: roupa singela
Farrapilho: pedinte, alguém envergonhado
Fedelho: garoto, criança
Fito: pequeno pedaço de madeira que era utilizado no jogo da malha
Fojo: lugar ermo e de mato onde acoitavam animais ferozes
Forro: sótão
Frete: fazer um favor
Fuça: rosto, tromba
Fueirada: cacetada, porrada
Fuinha: Pessoa muito apegada ao dinheiro ou aos bens materiais
Funga: arma com um suporte de madeira em forma de forquilha, munida de dois elásticos e de um pedaço de couro, destinada a atirar pedras aos pássaros
Furda: curral dos porcos
Gadanha: ferramenta com bicos curvos, encinho
Galhofa: chacota, chalaça
Garruço: gorro, carapuço
Gandim: vadio
Grimpa: levantar a voz, refilar
Homessa: expressão de admiração
Hortas: terrenos frescos com água que produziam hortaliças e tinham árvores de fruto
Impingir: aldrabar
Jarimbelho: sem utilidade
Jorna: proventos pecuniários do dia
Lambão: guloso, alarve
Lanho: ferida provocada por objeto cortante
Lanzeira: preguiça, moleza
Lapachudo: gordo, anafado
Lãnzudo: guedelhudo
Mal-enjorgado: mal-amanhado
Malha: sova, tareia
Malina: doença grave
Manápulas: mãos
Manducar: comer
Mânfio: desonesto
Maralha: grupo de pessoas, desordem, confusão
Marrã: fêmea do porco
Masseira: tabuleiro de madeira
Mastrunço: feio, mal-encarado
Medrar: crescer
Minhoquices: insignificâncias
Miúfa: medo
Moina: vadiagem
Morrinha: chuva miudinha
Não chegar a chambaril: não ir longe, não ter muitos anos de vida
Ó abre: foge
Obrar: defecar
Ógadouro: utensilio ara tirar água do poço ou curso de água
Olheiro: nascente de água
Ordinário: reles, malcriado
Pachacha: calão para vagina, parracha, parreca, racha
Palheta: lábia
Palhete: vinho pouco tinto
Panhonha: pessoa com pouco alento, palerma
Pantomineiro: chico esperto
Pardieiro: casa pobre
Parpaliê: conversa para iludir ou convencer
Patavina: não está a entender
Patuá: conversa fiada
Paveia: molho de caruma ou mato
Pêdoa: ferramenta cortante de cabo curto
Penantes: a pé
Picheiro: vaso para líquidos
Picota: engenho para tira águia dos poços
Pirisca: rapidez
Piurso: chateado
Postela: crosta rija aquando da cicatrização
Quedo: quieto, sossegado
Quebranto: remover o mau olhado
Quilhar: prejudicar
Quinhentas: fora de horas
Quinta: Grande propriedade com residência
Quintais: pequenos chãos junto das casas de habitação
Rabisco: recolha de frutos depois da apanha feita pelos proprietários das árvores
Ralado: preocupado
Rapinanço: roubar
Ranhosar: rabujar, rezingar
Reco: suíno, leitão
Regador: aquele que mente
Regateira: mulher malcriada
Relento: ao ar livre
Responso: quando solicitava a intervenção divina ou santoral
Retranca: prudência
Rodilha: almofada circular com abertura ao centro para proteção da cabeça aquando das cargas
Ronha: pretexto para não laborar, manha
Roscofe: sem qualidade
Sainete: com pinta, causa espanto com os seus argumentos
Salgadeira: arca de madeira onde se guardam as carnes de porco cobertas de sal
Sarrafada: pancada
Sarro: sujidade
Sebento: sujo
Semítico: avarento
Serigaita: mulher espevitada ou atrevida
Serôdio: que vem depois do tempo
Serrada: terras muradas com árvores
Sicrano: pessoa que não se sabe ou nome ou não se quer pronunciar o nome
Solipampa: desmaio
Soltura: diarreia
Songamonga: pouco falador ou pouco expedito
Sorna: preguiçoso
Surra: sova tareia, porrada
Tabuado: pinheiro de grandes dimensões
Tacanho: acanhado, estúpido
Taleiga: saco de pano para transportar comida, farinha, milho
Tamanco: calçado grosseiro de base de madeira
Tapada: terreno murado sem árvores
Tapona: bofetada
Tarolo: pedaço de árvore ou tronco
Temporão: que vem antes do tempo
Tenir: sem dinheiro
Termo: limite em relação ao espaço para além da vila de Oleiros
Testada: pequenos terrenos com mato na extrema das terras de cultivo
Tinhoso: ruim, malvado
Tornas: trocas, intercâmbio de ajudas rurais
Toutiço: nuca, cachaço
Trabucar: trabalhar
Trafulha: vigarista
Tralho: queda
Trambalazana: brutamontes, ingénuo
Trambelho: pouco racional ou falta de juízo
Travesso: irrequieto
Trempe: arco de ferro para colocar ao lumepara suportar tachos ou panelas
Tresandar: cheirar intensamente
Trombudo: mal humorado
Tropeço: banco de cortiça
Trotil: vinho tinto
Unto: gordura, toucinho
Valdevinos: pessoa de pouca confiança
Várzea: chãs, anexa a curso de água
Veneta: impulso, irritação
Vergasta; pedaço de arbusto ou de ramo flexível
Vianda: comida para alimentar os suínos
Viso: cume do monte
Xelindró: cadeia, prisão
Xunga: reles
Zaragata: briga
Zorro: sítio onde a madeira é lançada à ribeira
Fontes:
Dias, Jaime Lopes. Etnografia da Beira. A Comarca da Sertã nº 243, de 8-5-1941
Pires, Rogério. Bem conversadinho: Descodificador de falares regionais, Junta de Freguesia de Santiago de Montalegre, Sardoal, 2023