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Ementa Literária – O Luto é a coisa com penas

Cheguei a este livro, escrito por Max Porter, através de uma crítica que li num jornal. Foi o ponto de partida da história que me pareceu interessante: o luto de um homem que se vê viúvo e com a necessidade de aprender a cuidar de dois pequenos filhos.

Confesso que apesar do assunto me cativar, antes de iniciar a leitura, idealizei uma obra a cair para o sentimental. Percebi pouco depois das primeiras páginas que estava enganada, afinal acabava de entrar num livro enternecedor, fervilhante de um inusitado humor e carregado de transparência quanto ao assunto da morte e da dor.

Max Porter, abordou nesta sua obra de estreia os temas da perda e da ausência de forma extremamente original, trazendo para o enredou um estranho protagonista: o Corvo. O Corvo invade a vida das personagens humanas e aparece como uma figura que, apesar de carregar séculos e séculos de carga simbólica, se transfigura e ganha contornos voláteis que oscilam entre a ama e o bobo, o sábio e o trapaceiro. A partir da chegada do animal, o livro transforma-se numa espécie de fábula, num quase poema indomável, ora satírico, ora carregado de ternura. Os pontos de vista saltam entre o animal, o pai e os filhos, e esta forma múltipla de explorar a vivência da perda resulta numa original polifonia literária.

Quer em termos de construção da obra, algo caótica, quer pela exploração simbólica recorrente ao longo do texto, penso que não será o tipo de livro que agradará ao género de leitor que aprecia a narrativa mais convencional. Acredito, contudo, que para leitores que gostam de obras inesperadas com abordagens experimentais quanto à forma e quanto à linguagem, esta poderá ser, sem dúvida, uma excelente leitura.  Por ter sido a obra mais surpreendente que entrou na minha estante nos últimos tempos, coloco-a no pódio das minhas leituras favoritas de 2020.

Para leitores vorazes, esta delícia é facilmente devorada em poucas horas, mas por toda a riqueza alegórica que a obra carrega, recomenda-se uma degustação demorada, até porque a digestão será certamente lenta e emotiva.

Autor

É feliz com a cabeça a flutuar em palavras ou as mãos mergulhadas em tinta.