Atualmente, a maior parte dos chãos de Oleiros são revestidos por mato, urze ou moita, carqueja, torga, sargaço, tojo e pinheiros. Mas nem sempre foi assim …
Até meados do séc. XVIII a madeira predominante era o castanheiro, o carvalho, e algumas outras espécies de árvores, sendo o pinheiro uma madeira rara.
Dir-me-ão, como provas essa afirmação?
Compulsemos o Journal Économique Ou Mémoires, Notes Et Avis Sur Les Arts, L’agriculture, Le Commerce …”, de julho de 1756, da Bibliothéque nationale de France: “Alvellos. Montagne dans la Province d’Estramadoure, Prieuré de Crato , à une lieue du bourg d’Alvarro, longue de quatre lieues & large de deux. L’un da ses bras s’étend à l’occident jusqu’au bourg de Certan, & en prend le nom; l’autre va a l’esé jusqu’à la paroide d´Estreito, au territoire du bourg d´Oleiros, & s’ppelle montagne da Rasca. Il y fait froid même l’eté, & il en fort quelques pendant fontaines, & une petite riviere qu’on nomme aussi Alvellos. Elle produit des chênes , des chataigniers sauvages, & quelques autres espéces d’arbres. Les chasseurs y tuent des liévres, des lapins, des perdrix , & quelques sangliers.” (tradução) Alvelos. Serra da Província de Estremadura, Priorado do Crato, a uma légua da vila de Álvaro, quatro léguas de comprimento e duas de largura. Um dos seus braços estende-se para oeste até à vila da Sertã e leva seu nome; a outra vai para a paróquia do Estreito, no território da vila de Oleiros, e chama-se serra da Rasca. Lá há frio mesmo no verão, e há algumas fontes suspensas e um pequeno rio que também se chama Alvelos. Produz carvalhos, castanheiros bravos e algumas outras espécies de árvores. Os caçadores matam lebres, coelhos, perdizes e alguns javalis.”
Pasmo! Nem um pinheiro é mencionado pelo escritor desta obra em 1756! A que se deveu esta transformação radical do solo e da floresta no nosso concelho?
Em razão da grande vastidão de serras e vales entendeu-se começar a semear pinheiros bravios, “ … espalhando-se facilmente o penisco (semente de pinheiro bravo) a grande distância, levado pelas asas, de que a natureza o proveio; em tal abundância que os povos lhes lançam o fogo, por lhes assombrarem suas terras e destruírem os matos” (PIMENTEL,1881). Logo, o conceito de resina para a nossa região é coevo, o mesmo não se poderá dizer da ligação aos descobrimentos, essa epopeia portuguesa!
No princípio do ano 1415 a azáfama no rio Zêzere (também denominado do Espírito Santo) estava ao rubro. Num lugar escondido do rio, no Cafuz, em Vila Nova da Barquinha, a escassas milhas da Escola Náutica, criada pelo Infante D. Henrique, a operar no Convento de Cristo, em Tomar, acontecia inusitada atividade ecoando por todo o vale sons dos malhos na madeira e sussurros dos carpinteiros e dos marítimos. Desconhecendo o que andava a cogitar e a planear o rei D. João I de Portugal, o rei D. Fernando de Aragão, como soberano bem-avisado e rival do reino de Portugal, envia para Lisboa Ruy Dias de Vega, castelhano, embaixador-espião, com a delicada missão de espionar. Sabemo-lo através da correspondência entre ambos, nomeadamente a carta de 23/4/1415, onde o espião conta ao seu monarca o tamanho da frota portuguesa, a sua composição, o número de efetivos, o soldo, os boatos que corriam a propósito do seu destino, e a elaboração de engenhos de ataque e de proteção (várias peças de artilharia neurobalística, duas delas já prontas, provavelmente trabucos e trabuquetes, para além de uma grande quantidade de escadas). Nesta missiva faz referência ao território da Ordem de Cristo (3.º parágrafo da carta), concretamente ao rio Zêzere, “que é cerca de Punhete (Constância)” onde se encontravam em fase de acabamento “sendas galeotas de sessenta remos cada uma”, mandadas fazer pelo prior e mestres das ordens militares, com exceção da de Santiago. Que tipo de embarcações foram construídas no Zêzere as quais partiram do Restelo, para Ceuta no dia 25/7/1415? Seriam galeotas muito similares à fusta. Incorporariam velas (uma ou duas) e possuíam 60 remos.
Sendo comendador de Almourol e da Cardiga, Gonçalo o Velho, descobridor de Santa Maria e S. Miguel, nos Açores, duas questões pertinentes se colocam:
- De onde são originárias as festas açorianas do Espirito Santo?
- Onde foi ele buscar madeira para a construção das embarcações do começo dos descobrimentos?
Festas do Espírito Santo – Desfolhar o Império do Espirito Santo leva-nos a percorrer a região do centro do país onde o seu povo na sua simplicidade adorava o Espirito Santo. Assim ao caminhar pelas localidades junto do rio apercebemo-nos da difusão da ideia da Santíssima Trindade. As festas, os cânticos refletem o modo como era expressada esta devoção, enquanto que as imagens da Trindade e dos seus altares são o exemplo de como este culto na idade média esteve muito presente entre as nossas gentes, e a sua figura nobilíssima – como a da Vila de Álvaro – o revela. Assim, muito provavelmente foram exportadas da nossa região.
Madeiras – O transporte fluvial de pessoas e madeiras fez-se desde antanho pelo curso do rio até 1950, período em que as barragens quebraram este vaivém. A construção de embarcações exigia madeira de boa qualidade e em abundância. O comendador foi buscá-las às regiões montanhosas a montante, apropriadas para a floresta, e a localidades próximas das massas de água, Nabão, Zêzere, e pelos afluentes, entre outros, ribeira de Alge (Lousã e Figueiró dos Vinhos), ribeira de Pera (Lousã, Castanheira de Pera e Pedrógão Grande) e ribeira Grande (Sertã e Oleiros). Os troncos de lenha seriam reunidos em grupos por espécie arbórea ao longo de margens dos afluentes para facilitar a sua colocação na água através dos “zorros”. Ainda há relatos que nos anos 40 colocavam os toros no Porto dos Carros/Portela/Oleiros. Amarrados uns aos outros os troncos eram conduzidos, por mão humana, até ao cais de destino e trazidos pela correnteza. Posteriormente eram retirados da água, classificados por tamanho e espécie e dispostos em pilhas para uso dos carpinteiros, mais tarde de serrações. A título meramente exemplificativo, diremos que em Oleiros, a postura municipal de 20 de abril de 1685 impunha uma multa de 2$000 réis a quem cortasse carvalho, azinho verde, verga de castanho ou de carvalho, nos coutos das vinhas ou na serra da Lontreira (PIMENTEL,1881). Além desta referência há várias povoações com nomes de árvores de floresta: Azinheira, Vale da Sobreira, Ameixoeira, Vale de Souto, etc., a que tais árvores deram o nome de lugar. Três freguesias há com nomes ligados a árvores: Sobral (topónimo de mata de sobreiros), Madeirã (terra de madeiras) e Amieira (terra de amieiros). Acontece que todas estas três freguesias deste concelho são banhadas pelo rio Zêzere. Logo …
Para construir as embarcações era utilizado o sobreiro pela sua dureza e resistência à humidade. Para além do sobreiro, eram utilizados a azinheira, o carvalho, o abeto e o pinheiro.
A construção de embarcações teve o seu apogeu nos séculos XV e XVI e para a história, os descobrimentos iniciam-se em 1415, aquando da conquista de Ceuta por D. João I.
Nas descobertas e na expansão do Império e da Fé, não fomos “anjinhos” nem “demos” em comportamentos e atitudes. Aliás, sinónimo disso, tem sido as ofensas aos símbolos como o Pe António Viera, jesuíta português, com a vandalização da sua estátua, cuja vida ficou marcada pela defesa dos direitos dos povos indígenas no Brasil no século XVII, atitude condenável. Outro exemplo, para sentir o pulsar de um cidadão brasileiro é melhor nem falar em “bandeirantes”, expedições que reuniam indivíduos que iam aos sertões coloniais com a intenção de capturar indígenas para uso como mão de obra escrava.
Ontem tivemos os danos colaterais dos descobrimentos, hoje, a pedofilia na Igreja Católica. Como português entendo que o Estado, todos nós, e a Igreja não devem assumir culpas coletivas, pois a imputação penal ou responsabilidade será sempre pessoal. Ou seja, não podemos correr o risco de arcar as culpas de crimes que são da nossa instituição, mas não são nossos! Portanto, importa que a pedra angular diferencie as boas pessoas das más, quer estas sejam pessoas coletivas, igrejas ou estados, repúblicas ou monarquias, municípios ou freguesias. Fundamental será que os tribunais sejam exemplares na aplicação da Justiça, dentro da máxima “dura lex, sed lex” (a lei é dura mas é a lei), e a comunidade respeite os Direitos Fundamentais das pessoas de modo a garantir a proteção subjetiva e não a sua discriminação social.
Há que atalhar medidas para suster os carcinomas que alastram na nossa comunidade cada vez mais intolerante onde o panasco levado pelas asas de alguns arautos começa a devorar pelo fogo a nossa democracia.