Crónica Geral

a minha estória de Natal, a que comecei a contar aos meus filhos

Crónica disponível em áudio, narrada pela autora.

(esta crónica é apena uma proposta para uma outra interpretação desta época, não pretendo ferir nenhuma susceptibilidade)

Dessa maravilhosa estória de nascimento, trevas e luz, de encontro e comunhão que se conta, que nos contam e que nós contamos, desde tempos imemoriais. A que comecei a contar aos meus filhos e se um dia tiver netos, aqui fica a estória de natal da avó, sobre uma família progressista e moderna:

Meus queridos e minhas queridas, 

Esta estória não vai começar como todas as outras: “Era uma vezzzz”…, começa antes com:

Sabem aquelas figuras de barro, que todos os anos colocamos no aparador da entrada? vou-vos contar a essa estória: 

Na casa dos vossos bisavôs, fazíamos o presépio num grande tabuleiro de madeira, apanhávamos musgo, guardávamos todas as pratas que embrulhavam os chocolates que comíamos e que haveriam de servir para fazer rios, atravessados por pontes. Com pão ralado fazíamos os caminhos, uma manjedoura numa gruta, ou numa cabana. Mas tudo aquilo precisava de bastante intervenção para ser credível, porque viviam todo o ano numa grande caixa de cartão embrulhados em folhas antigas de jornal.

Não sei o ano exato em tudo isto se passa, sei que a estória está carregada de imprecisões históricas, nem o ano do nascimento é certo, o local tão-pouco, mas vou saltar esta parte e gostava que se focassem na imagem tradicional, dessa família de barro que se reproduz por muitas casas: a senhora bonita e de véu na cabeça chama-se Maria, a virgem Maria; o senhor de barbas é o José, é carpinteiro e o bebé nesse berço de palha chama-se Jesus, mas também tem outros nomes: Messias, Salvador, etc. São lindos, numa reconstituição de uma família tradicional para a época: uma mãe, um pai e um bebé. As restantes figuras são acessórios, os animais que aí vêem servem o propósito de aconchegar e dar calor, as noites são longas, os dias são os mais pequenos do ano, e o frio no nosso hemisfério é severo em dezembro, ou então podemos interpretar como um quadro naturista de perfeita convivência entre humanos e animais. 

Sabem que a avó gosta sempre de estórias onde as meninas e as mulheres assumem papéis de destaque, é por isso que gosto da centralidade da figura feminina, da importância que se lhe atribui, (já nas escrituras muçulmanas e julgo que nas cristãs também, a mãe de Maria, (a avó de Jesus) a entrega e a predestina. Como não nasceu homem, ficou guardada para gerar um, o mais especial de todos) contam-nos que Maria engravidou sem ter relações sexuais com José, na verdade dizem que com ninguém. -Vá lá não se riam, nem se encolham, percebo que achem estranho, a avó também. Quando me disseram que concebeu sem pecado, a ideia do pecado original, é daí que todos vimos, da sementinha que é colocada…esta estória já vocês escutaram, é por isso que se conta que somos todas e todos pecadores daí em diante, a ideia de pureza e de castidade é inacessível a todos, menos aos escolhidos! Não se agarrem nem à ideia de pecado, nem à de culpa.

Mas se a ideia de maternidade é importante, já vos contei que adoro ser mãe dos vossos pais, não é tão-pouco central nem fundadora do que é ser mulher., Se entre vocês houver meninas não se deixem enganar por esta ideia, nem assumam que cuidar vos é inato por serem mulheres, tão pouco se sintam obrigadas a isso, sejam carpinteiras se quiserem!

Depois, em frente ao berço de Jesus, está José, o carpinteiro que trabalhava madeira, que aceitou ser figura parental de uma criança, assim talvez hoje lhe chamassem “tio”, na analogia com as famílias reconstituídas, como o companheiro da mãe, isto porque não foi ele que colocou a sementinha, talvez tenham feito amor, mas dizem-nos que não tiveram sexo. A avó sabe que percebem a diferença! O José havia de ser bondoso, porque se isto não é a personificação do amor, da bondade, da aceitação e do acolhimento, então, não sei o que será. A avó acha até que José foi o primeiro pai adotivo da história, ora vejam: perfilhou, deu o seu nome e educou Jesus, sem ser o seu pai-biológico. Depois, e ainda a respeito de José, há a necessidade de lhe conhecermos a profissão, o que trabalha com as mãos, o que talha a madeira. Historicamente sabe-se que ser carpinteiro, naquela época, era muito prestigiante, era uma profissão a que poucos acediam, que era um ofício que se herdava, que passava de pais para filhos, os artífices eram valorizados e tinham grande poder social, pode advir daqui o simbolismo do macho-alfa! Cuidado, meus amores, se entre vocês há rapazes, não se convençam de que têm que prover apenas ao sustento, não se esqueçam que há poesia e música, corram atrás do que vos faz felizes e façam felizes os outros! 

E agora sobre o bebé, sobre Jesus, concebido sem “pecado”, parido por Maria, filho de Deus e criado por José, é claramente a ideia de inocência, do amor e da devoção pelas crianças, mas por t-o-d-a-s as crianças do mundo, vocês também sabem que o lugar onde nascemos nos condiciona sempre, a nossa família também! Estejam atentos. Jesus, o Messias, o Salvador, são vocês e os vossos amigos, é esta a magia que todos queremos ver nos vossos olhares, é sempre simbólica esta altura do ano, as luzes dos vossos olhares deveriam ser as luzes nos olhares de todas as crianças do mundo: de esperança e de renovação. 

Esta estória é contada por parábolas desde a mitologia grega, assume várias versões quando contadas pelas religiões: seja a católica, a muçulmana, a protestante, ou outras. É uma estória pagã antes de ser religiosa, funda-se na necessidade de sempre: a de encontrar respostas para a vida depois da morte, para os dias sem luz, para o frio, para a necessidade de nos organizarmos em unidades familiares, com as formas que quisermos, se preferirem acreditar noutra qualquer estória sejam livres, aceitem todas as que vos contarem, mas construam a vossa! 

Feliz Natal, meus queridos!

Beijos da vossa avó

Autor

É inquieta, gosta de azuis, de estórias, de sons, de lugares, de pessoas com o coração no sítio certo, de ir e de regressar, de olhares e de afetos.