Geral

A Inteligência Artificial está a tomar-nos de assalto

A Inteligência Artificial (I.A.) aprendeu e continua a aprender quase tudo o que sabe através de uma sofisticada análise computacional aos conteúdos criados por seres humanos. Mas no próximo ano, quase a totalidade do material usado para treinar a I.A. terá sido gerado por ela mesma. O futuro da I.A., segundo as fontes de referência nesta área, está numa grande quantidade de dados que neste momento estão a ser produzidos por máquinas, de forma completamente sintética. Pensemos nisto por um momento.

Não há a mínima dúvida que assistiremos à criação de conteúdos gerados artificialmente, susceptíveis a vieses, a homogeneizações, a tendências, a extrapolações (potencialmente caóticas), e certamente à criação de generalizações que trarão por arrasto, um conjunto de preconceitos. É por isso que acho que temos razões de sobra para muito ceticismo. Não sou (só) eu que o sinto, é também – sem qualquer pretenção de me equiparar – Noam Chomsky, que para além de um dos reputados pensadores da atualidade, tem também sido uma das figuras de destaque na reflexão sobre o impacto da I.A. e sobre os desafios com que nos deparamos neste preciso momento.

Também Umberto Eco, como é sabido, afirmou que as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis, mas embora o ano em que o disse – 2015 – não seja minimamente remoto, esta ideia parece já muito mais do que confirmada e até mesmo ultrapassada. Talvez ele nunca tenha chegado a imaginar que a sua morte o pouparia – pela tangencial temporal de um par de anos – de viver o surrealismo de uma pandemia, assistir à crescente degradação da paz mundial, e de se deparar com um avanço tecnológico disruptor que gera uma situação que ameaça fortemente a figura do humano criador e daquilo que nos move enquanto seres emocionais: a criação e a beleza. Coisas para as quais uma máquina se está literalmente a marimbar, mas que agora parece saber fingir fazer se lho pedirmos.

Ora, agora a favor da tecnologia, se calhar (não tenho bem a certeza), até nos é proveitoso podermos escrever rapidamente textos, emails e relatórios com a ajuda de uma máquina… pois ainda podemos (e devemos) deixar o nosso filtro crítico agir e editá-los ao nosso gosto, torná-los mais nossos e mais humanos. Mas a cada vez que o fazemos parece que estamos a ajudar ao desenvolvimento de uma tecnologia que levanta algumas preocupações:

Pensemos por exemplo nas seguintes ideias:

  • A I.A. está a afetar a percepção do nosso valor enquanto criadores;
  • A I.A. oferece ferramentas de criação que podem promover “embustes artísticos”;
  • A I.A. apresenta um desafio no que diz respeito ao direito autoral (os conteúdos gerados por máquinas não são passíveis de qualquer proteção no domínio do direito de autor, embora estes conteúdos sejam gerados com base em conteúdos de diversos autores).

Claro que é possível usar os contributos da I.A. de forma honesta, aumentando-nos, tornando-nos seres mais capazes e produtivos. A verdade é que os artistas e criadores em geral têm conseguido ao longo dos tempos dar a volta aos diferentes momentos disruptivos da história. A imprensa transformou a atividade dos monges copistas que transitaram para outras atividades monásticas, a fotografia transformou os pintores (que deixaram de ver propósito em ser foto-realistas e criaram os mais fantásticos movimentos artísticos como o impressionismo, surrealismo, cubismo ou expressionismo), os instrumentos eletrónicos transformaram os músicos (nenhuma drum-machine tirou o trabalho a um baterista), e em todos estes momentos se gerou igual número de oportunidades de transformação e até de crescimento. Não há dúvida que os criadores são bons na arte de se reinventar e de abraçar a evolução.

Na generalidade, temos vindo a evoluir e a verdade é que neste momento, mesmo sem notarmos, já todos somos, de certa forma, ciborgues [“Clynes e Kline (1960) introduziram o termo ‘ciborgue’ no seu artigo ‘Cyborgs and Space'”]. Somos seres humanos melhorados, ao jeito futurista de Isaac Asimov e todos nós apreciamos o incremento da tecnologia e da ciência nas nossas vidas sem notarmos o quanto. Ninguém nos obriga a uma vivência híbrida homem-máquina, mas o poder de sedução deste incremento tecnológico é mais forte que nós, sendo que somos nós próprios quem se quer ligar a estas senciências simuladas, como previu Huxley no Admirável Mundo Novo (1932). Vivemos nesse futuro, pesquisamos coisas no Google a meio das conversas de café, usamos GPS, recebemos e enviamos mensagens remota e constantemente, fazemos traduções automáticas… ninguém pode dizer que não é, em certa medida, um pouco ciborgue. Quando foi a última vez que vivemos uma semana sem telemóvel, sem ligação à Internet, ou mesmo completamente desligados?

Exato. E usamos cada vez mais o ChatGPT e outras ferramentas especializadas de I.A. Uns mais que outros, mas a tendência é crescente.

A capacidade de aprendermos e nos melhorarmos com esta nova forma de “auto-complete” das nossas vidas é inegável, mas, a ideia do futuro da humanidade parecer fugir ao controlo dos seres humanos parece razão suficiente para preocupação.

Preocupa-me essencialmente que esta tecnologia esteja a fugir ao nosso controlo, e é algo que sabemos que já está a acontecer. Sim, é verdade, nós temos uma ideia sobre como funciona o processo de aprendizagem das máquinas – fomos nós, humanos, que as programámos – mas a partir do momento em que uma máquina aprende por ela própria e se consegue reprogramar para se melhorar, nesse instante sai do nosso entendimento o mecanismo pelo qual é simulada a sua cognição. Estamos a assistir a isso mesmo em 2023, segundo Geoffrey Hinton, um dos pioneiros contemporâneos da I.A. que mostrou preocupação com a evolução da I.A. e a sua futura utilização.

Pois, não há só o perigo de a auto-aprendizagem da I.A. degenerar e fugir ao nosso controlo, há simultaneamente o perigo da utilização maliciosa destes mecanismos de inteligência. É possível num insignificante espaço de tempo, produzir ideias, traduzir línguas, referir factos de todo o conhecimento humano, gerar código, e estabelecer relações de ideias convincentes para seres humanos que podem ser usadas para tentar gerar qualquer opinião…

Retirando a atitude pessimista e resistente (qual Velho de Restelo!), a I.A. neste momento está já a ser usada para a analizar imagiologia médica. É surpreendentemente competente a conceber medicamentos: não há dúvida que os benefícios são enormes. Imaginem só um serviço de saúde sem filas de espera, por meio da automatização de diagnósticos e análise a exames. Podem-se salvar muitas vidas, é certo.

…mas ainda assim há riscos, e é claro que são escandalosamente preocupantes. Vêm-me à mente o fabrico de notícias falsas, a potencial conversão ao desemprego pela substituição de muitos dos empregos relacionados com a criação artística, científica, literária, etc… sem falar no potencial desta tecnologia ser usada para atacar no domínio cibernético – com ataques informáticos em rede – ou mesmo no domínio físico, através de robots e drones de batalha autónomos e extremamente eficazes. Antes fosse um delírio.

Do que tenho a certeza é que estamos a entrar num período de grande incerteza: provavelmente, a inteligência artificial está a tomar-nos de assalto, e nós a ver. E historicamente, quando tentamos adivinhar o futuro no contexto da criação de novos protótipos tecnológicos, há algo de fundamental que nos falha. Desta vez, não nos podemos dar ao luxo de falhar.

Parece ser fundamental concentrar esforços na implementação de regulamentações responsáveis e na promoção de práticas éticas para garantir que a Inteligência Artificial seja utilizada em prol da humanidade, fomentando o avanço e a inovação. Devemos encarar o futuro da IA como uma ferramenta que pode enriquecer nosso potencial, em vez de enxergá-lo como uma ameaça a temer.

Este último parágrafo foi gerado pelo motor de I.A. ChatGPT 4.0, em resposta a um “prompt” sobre o equilíbrio entre os benefícios da I.A. e aos seus perigos.
Créditos da imagem: Neuroscience News

Autor

Metade músico, metade produtor, metade apaixonado por viagens, metade inquieto profissional.