Artigo também disponível em áudio, narrado pela autora:
“- Os jovens, ah os jovens de hoje em dia são amorfos, passam os dias nos computadores e não querem saber de nada…” É uma afirmação que se ouve por aí, generalista e empírica, provavelmente fruto de um estudo feito na universidade da vida desenvolvido pela amostragem do quarto dos fundos lá de casa, por pais ou avós geralmente descrentes na vida e com sonhos que vão deixar por realizar. E claro, como todas as generalizações peca, e peca porque toma as partes pelo todo. E se é verdade que há jovens que são pouco involucrados na sociedade e na vida, o seu contrário é também verdade.
E se?! …
A nossa casa fosse arrastada pelas chuvas que eram escassas nos últimos anos, e passaram a ser torrenciais nos últimos dias, e de tão seco que o solo estava impedisse essa água de o penetrar? E se a chuva virasse um rio na terra, com um caudal forte e impenetrável? Parece apocalíptico, ou bíblico, ou ambos…pois é, mas acontece! E se os animais da nossa capoeira, ou dos nossos quintais não tivessem mais nada com que se alimentar? E se em vez de viçosos e gordinhos, que permitissem aos seus donos contar os dias para o abate e para o regalo e consolação das famílias em grandes manjares, se em vez disso, virassem cadáveres secos e podres de músculos colados à ossatura? Um pouco antes de jazerem já sem forças, se pudéssemos ver os olhares bovinos perdidos de esperança? Sim, sei, parece longínquo parece uma “realidade-africana-ou-sul-americana-ou-asiática-sobre-populosa” que é sempre tão diferente da nossa realidade europeia-confortável-securitária-e-claro-previsível…
E agora, como é que eu pretendo ligar o primeiro parágrafo ao segundo? Se calhar já perdemos alguns leitores, à conta do pensamento: Esta tipa hoje enganou-se e fez algum “copiar e colar” que não lhe correu bem. E podia ter acontecido, já que muitas vezes as crónicas partem de ideias ou de parágrafos que vou anotando aqui e acolá, para voltar lá mais tarde. Algumas nunca passam disso mesmo, nunca passam de notas e nunca chegam a crónicas. Mas se podia ser o caso, não é.
Agarrando e colando a primeira ideia à segunda: É dos jovens com sonhos e com vontade de mudar e com desejos por cumprir, é sobre esses que escrevo, sobre os que saíram à rua, dormiram nas Escolas e nas Faculdades, sobre os que se manifestaram e querem fazer-se ouvir sobre as alterações do Clima, sobre a finitude dos Recursos Naturais, sobre a necessidade urgente que sentem na mudança da utilização dos combustíveis fósseis. Devíamos estar orgulhosos, caramba! Devíamos juntar a nossa voz à deles, deveríamos ampliar as suas vozes, mas sobretudo não deveríamos reprimir-lhes nem os anseios nem a vontade de mudança, de justiça, e menos ainda pelo uso da força. Então: Ensinamos-lhes a importância do meio ambiente, de hábitos de vida saudáveis, da maravilha e da importância da água que constitui a maior parte do globo terrestre, O Planta Azul, mostramos-lhes belíssimos documentários sobre a vida selvagem, e agora que eles vêem pelos seus olhos e pensam pela sua própria cabeça queremos impor-lhes a força da nossa razão?! Queríamos o quê, que ficassem a dobrar lençóis de elásticos? Não é incongruente?
Eles, os tais jovens imaturos, inconsequentes, loucos até, desbragados e sem limites, manifestaram-se e fizeram as suas jornadas de luta coincidir com a Conferência do Clima das Nações Unidas, que decorreu no Egipto. À juventude não se reconhece bom senso, são intempestivos, barulhentos, por vezes até desordeiros, ainda bem que são assim, com um olhar atento pelas estórias da história constatamos isso mesmo, sempre que encabeçaram lutas, os estudantes e os jovens em geral foram insurreitos, insurgentes. Claro, o que prenderam no passado pretendem hoje, chamar a atenção para o instituído, não perpetuar acomodações, lutar pela mudança, é do movimento que surge a própria mudança, é do sonhar e fazer acontecer, não há progresso na paz, no manter do status-quo, é na fricção com que o que é vigente e instalado que se dá o “devir”, a força motriz não é estática é conflituosa, é interventiva, é combativa e é rebelde!
Vou continuar: não há construção sem movimento. É através do movimento que a mudança acontece. Ser agente dessa mudança, longe de ser fácil dá trabalho e presume esforços que nem sempre são concertados para o fim último a que se propõem, há desafios há obstáculos, há adversidades até da própria natureza. Mas há confluências, há pessoas e há vontades de aproximação. E nós devíamos ter essa vontade de aproximação, o Fernando Freire, escreveu aqui no domingo, sobre “pontes”: as reais e as simbólicas.
E agora, a terminar vou explicar o porquê deste título, numérico, assim, sem nenhuma palavra! Apenas: 22.000.000 Pelas contas da ONU,mais de 21 milhões de pessoas (porque eu também sou rebelde, arredondei para 22 milhões) são já obrigadas a deslocar-se anualmente por causa de cheias, furacões e tempestades ou secas. Formam uma nova vaga de refugiados que não vai parar de crescer, alertam os especialistas, porque as alterações climáticas estão a acentuar o ritmo e a força dos fenómenos extremos.
São 22 milhões de migrantes climáticos, por ano! E nós precisamos de pessoas que lutem pela Paz, pela Justiça e pelos Direitos Humanos. É disso que se trata.
Queremos mesmo impor a força aos jovens que lutam com os olhos abertos e postos no futuro? Uma palavra: Hipócritas! (nós)